Não tinha a mínima ideia do que estava fazendo ali, talvez aquelas duas ou três taças de vinho tenham tirado toda a minha noção de tempo e espaço. Ainda estava meio perdida quando senti segurarem firme a minha mão, era você. Um olá, um olhar e um beijo. Num estalo, já estava de volta a Terra e sabia exatamente o que havia me levado tão longe de tudo que conhecia. Naquele momento, você era o meu lugar, mesmo que só por uma noite. Meu porto seguro para fugir da loucura de mais uma noite perdida, numa dessas baladas regadas a vodca, minissaias e conversas vazias. Se for pra perder uma noite, que ao menos fosse contigo, para fazer valer à pena! A única certeza era que não tínhamos certeza de nada e mesmo que tudo parecesse tão vago, tão errado e tão fora do lugar, nada parecia tão certo quanto estar ali com você. Eu era pura sede e você era o último gole que eu precisava desesperadamente para me saciar. Embriagados ou não, seu gosto, seu cheiro e seu toque eram tudo o que eu queria e tudo o que precisava naquele momento. O meu vício, a minha loucura e a minha cura. Como aquela dose que diferencia o remédio do veneno.
Desejava por um fim naquela vontade que me acompanhava desde o dia em que te vi pela primeira vez, com aquele olhar doce de menino que me perseguiu em sonhos alegres por noites a fio e eu, com essa minha eterna mania de inventar amores, te pintei na minha mente com tantos tons e tantas cores quantas poderia imaginar com a minha aquarela encantada. Usei tinta guache, daquelas que saem na água para poder dar lugar à outra arte feita pela minha própria vontade quando assim julgar necessário. Desejei você para mim, mas você não é daquele tipo que pertence a alguém, somente a si mesmo. Alma leve, liberta de qualquer amarra do mundo. Desapegado de tudo que não te faz uma pessoa inteira. Não éramos os mesmos daquele primeiro encontro e, mesmo completamente diferentes, ainda esperava algum resquício daquela noite onde o amor me pareceu possível. Era o que eu imaginava, afinal, a noção do real passa a cem metros de distância quando a paixão insiste em cegar os meus olhos.
Depois de algumas horas, você se despiu de todos os teus disfarces e com todas as suas indefinições, se mostrou para mim. Dos seus casos mais quentes, dos quais se vangloriava, tentava encontrar uma pontinha de ciúmes no meu olhar para alimentar o seu ego. Teu cigarro não me incomodava mais. Nada disso me afetava, nem mesmo a sua insistência em construir uma barreira que me manteria a uma distancia, segura o bastante do seu coração, e isso parecia não surtir efeito algum sobre mim. O fato é que todas as suas histórias, inventadas ou não, te manteriam a salvo das minhas loucuras e você sabia disso, do mesmo modo como sabia que eu te queria mais que tudo no mundo. E eu só conseguia pensar no aconchego que impediria os pesadelos de chegarem até mim, que eles fiquem lá fora e congelem no frio, pois aqui dentro só nós dois cabemos no meu sonho dourado, onde tudo parece possível. Naquele instante, meu sonho era bem modesto, desejava apenas que continuasse com os seus braços ao meu redor, e seu corpo bem perto do meu durante apenas uma noite em que todas as minhas necessidades se resumiam a cada respiração sua.
Garanto que pela manhã irei embora, Não deixarei nada de mim, além do meu perfume naquela camiseta velha emprestada, onde meu cheiro se misturava ao seu e alguns fios de cabelo espalhados para te lembrar de que já fui um de seus doces acasos em meio a tantos outros casos e que um dia, quem sabe, também seria parte de uma das suas histórias de amores inventados contadas em outra madrugada qualquer para alguma desavisada apaixonada. Comigo levarei aquele olhar que afasta e pede colo ao mesmo tempo, combinando perfeitamente com a sua a sua voz doce e rouca que invade, inunda o coração, por mais frio que ele possa parecer. São sensações que me pertencem e tudo que quero é que elas continuem vivas na minha mente. Quero mais é reviver você quantas vezes eu puder, mas por enquanto, permaneço nesse transe em meio sonho e meio realidade onde te tenho e não te tenho ao mesmo tempo. Tudo o que sei é que essa vontade vai passar antes mesmo que o desejo volte a corroer nossa mente.
Por fim, quando as palavras não saírem mais da minha boca, quando eu me perder em algum pensamento bobo de saudade, quando eu não souber mais o que falar, tudo poderá ser resumido naquele último olhar de adeus onde deixamos uma história pra levar só na memória. Porque algumas paixões e alguns amores foram feitos para serem vividos e não para serem eternos. Cada um em seu lugar.