O livro 1793 foi lançado em 12 de março de 2020 pela editora Intrínseca e foi escrito por Niklas Natt Och Dag. O autor é descendente da mais antiga família sueca ainda viva e tem forte conexão com seu país. Em seu romance de estreia, ele ganhou prêmios importantes como o de Melhor Ficção Estreante da Academia Sueca de Escritores de Ficção Policial, em 2017, e o livro do ano na Suécia no ano seguinte.
Na Estocolmo de 1793, um cadáver é achado no lago da Ucharia, sem pernas, braços e vários elementos da face. O corpo estava tão desfigurado que era impossível identificá-lo. Cecil Winge, um dos melhores advogados a serviço da polícia, decide investigar o assassinato com a ajuda de Mickel Carrell, um vigilante bêbado que foi chamado para tirar o corpo da água, mas o que parecia fácil para as deduções precisas de Winge, passa a ser o trabalho mais difícil de sua vida; e os traumas de Carrell, de longe são os mais terríveis até ali.
“Engodo gera engodo, violência gera violência”
O livro é um romance policial de época, na qual os recursos são escassos e só o que faz um bom investigador é seu comprometimento com o caso. Se passando em uma Estocolmo em crise após sair das guerras Russas, o romance é retratado com bastante detalhes, estes bem pesquisados para trazer uma Estocolmo realista e cheia de problemas. A cidade é um dos pontos mais importantes, pois ela passa um ar de decadência não só devido à infraestrutura como também por seus habitantes passarem fome e ficarem cada vez mais suscetíveis às doenças que encurtam a já curta vida.
Enquanto os poderosos lucram com a falsa caridade, os pobres morrem pela mão do poder e aplaudem os espetáculos mortuários sempre que o carrasco mata um novo ladrão de galinhas; uma critica àqueles que detêm o poder. Eles são retratados manipulando não só os polos decadentes do ser humano e seus pecados, como também controlando os polos que investigam a crueldade humana, ou seja, assassinando a ideologia própria para criar uma ideologia coletiva baseada na justiça falsa.
A morte é um elemento presente não só na vítima em si, mas também em seus investigadores. Um exemplo disso é Cecil Winge, um advogado que carrega a morte no peito a cada passo, pois a cada tosse, ele se aproxima mais da lápide. Um homem disposto a sacrificar o resto de vida que tem para trazer justiça ao assassino brutal que ronda a escuridão e usa o anonimato e os jogos políticos para se camuflar em meio ao caos. A morte também acompanha Mickel Cardell de perto, pois a cada pensamento, ele se vê novamente na guerra, sentindo a dor em seu braço amputado e o trauma de ter perdido um amigo em uma guerra manipulada por um rei corrupto.
Os personagens são muito bem representados, cada um com camadas que dão profundidade a suas experiencias e suas vivencias. Acabam passando uma moral por trás de cada ação impensada por parte de Carrell e pensadas demais por parte de Winge. A dupla funciona muito bem, intercalando entre seus capítulos, utilizando cada ponto de vista para dar seguimento na ação seguinte da história, mostrando seus métodos de investigação. Cada página os torna mais humanos, nos fazendo refletir o que faríamos em seus lugares, e como lidaríamos com os traumas e problemas que assolam suas mentes.
Os capítulos passam rápido e a cada virada de pagina nos deparamos com mais perguntas que nos levam a indagar a natureza das coisas e da índole humana. É uma investigação policial plena e cheia de reviravoltas, com uma trama política pesada e com criticas à sociedade da época, onde o poder e o status carregam mais honra que a razão e a disciplina. A narrativa conta com um uma trajetória que nos faz investigar junto aos personagens, analisando cada ponto para achar o assassino.
Com uma trama bem feita, uma investigação acompanhada de traumas e personagens bem escritos, 1793 é uma caricatura da época em que a humanidade estava em crise.