“Às vezes qualquer um faz qualquer coisa. Por sexo, drogas e diversão. Tudo isso, às vezes, só aumenta. A angústia e a insatisfação. Às vezes qualquer um enche a cabeça. De álcool atrás de distração. Nada disso, às vezes, diminui. A dor e a solidão”
São nestes versos de Nando Reis e Sérgio Britto em “Diversão”, dos Titãs, que o filme dirigido por Thomas Vinterberg pode ser sintetizado.
Escrito e dirigido por Thomas Vinterberg, “Druk” é um filme sensível, com um tom crítico e uma mensagem extremamente potente pelo incômodo que causa – e temos aqui uma verdade inconveniente.
O longa conta a história de um homem de meia-idade cujo maior dilema é acerca da perda de sua própria juventude. Para ele, a representação da jovialidade está em uma vida de diversão – e todos os pepinos e idiossincrasias comportamentais da vida adulta são o que tornam a vida entediante. O filme se inicia com os versos do filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard: “O que é a juventude? Um sonho. O que é o amor? O conteúdo do sonho”. A questão permeia a história toda.
O filme dinamarquês é estrelado por Mads Mikkelsen, famoso no mundo inteiro desde sua atuação como Le Chiffre em “007: Casino Royale”. Acompanhado de outros 3 companheiros de cena, sua atuação surpreende desde o primeiro momento do longa. Créditos ao diretor também, mas a forma na qual Mads conduz o papel na mudança de tom ao longo do filme é fantástica. Se o seu personagem, Martin, começa o filme blasé… ele termina em um outro extremo do humor.
Junto com a atuação do ator dinarmaquês, é necessário falar sobre a fotografia do filme que potencializa todos os sentimentos. Quanto mais instáveis os personagens, quanto mais ao fundo do poço… a câmera segue o mesmo caminho e traduz o psicológico dos personagens. Não é exatamente uma abordagem inovadora já que segue uma linha muito popular em filmes dramáticos, mas cabe como uma luva aqui e cumpre a função narrativa com esmero.
O roteiro segue uma estrutura clássica, mas isso não reduz em nada a sua potência – na verdade, por seguir uma fórmula de escrita já familiar a audiência, sua mensagem atinge mais fortemente. A maior discussão do filme está nos problemas de comunicação entre as pessoas e em como somos capazes de julgar os outros pela forma que elas se comportam. No entanto, o longa gera uma reflexão profunda ao se utilizar da máxima de que nossas ações podem causar efeitos devastadores e irreversíveis naqueles que amamos (família, amigos e nós mesmos), por mais que tenhamos somente boas intenções.
A obra debate os efeitos do uso de terceiros para sentir-se feliz. O álcool é a escolha certa por ser algo considerado inofensivo pela grande maioria das pessoas, mas poderiam ser inúmeras outras drogas lícitas ou ilícitas. A questão que o filme trabalha muito bem é que existe um reflexo de uma geração para a outra que normaliza a dependência de substâncias para poder ser feliz – mas diversão se difere da felicidade, algo que pode ser de grande surpresa para os desavisados.
O sambista Cartola também cantou sobre isso em “Peito Vazio”, nos lindos versos: “Procuro afogar no álcool a tua lembrança, mas noto que é ridícula a minha vingança”. Moralista para alguns, cirúrgico para outros, “Druk” sintetiza muito sobre problemas da sociedade contemporânea: alcoolismo, perda de identidade e relacionamentos superficiais.
A verdade é inconveniente e incomoda aos alvos da crítica contida aqui, no entanto, Thomas Vinterberg faz um ode ao livre arbítrio e questiona se o modelo de comportamento “respeitável” que nós levamos também não deve ser mudado – afinal, grandes líderes do passado foram visto como erráticos apesar de defender o que é certo.
No fim, talvez as coisas realmente sejam como escreveram Nando e Sérgio: “a vida até parece uma festa… em certas horas, isso é o que nos resta”.