Talvez Star Wars seja, comercialmente, a franquia que mais sofreu implementações ao longo dos anos, ou seja, de acordo com a vontade dos fãs e as lacunas que os próprios filmes geram, novas tramas são desenvolvidas.
Rogue One: Uma História Star Wars, de Gareth Edwards, é um exemplo categórico disso: um epílogo que se baseia nas citações de Uma Nova Esperança (1977), mas que surpreendentemente consegue se desenvolver sob sua própria perspectiva e encontrar personalidade ao tratar à sua maneira dos mesmos temas que a saga sempre se pré-dispôs a abranger.
Acompanhamos a tortuosa vida de Jyn Erso, filha de um oficial e engenheiro do Império que tem de lidar com seus próprios fantasmas e encontrar seu último resquício de esperança na Galáxia se quiser seguir os passos de seu pai na luta contra a ditadura e opressão espacial. Como bem citado no primeiro filme da franquia, embarcamos na jornada dos corajosos membros da Aliança Rebelde que se sacrificaram para conseguir os planos da Estrela da Morte.
O mais interessante é ver que esse é um filme que já começa com um final. Ainda que a obra não tenha medo de trilhar seu próprio caminho, introduzindo diversos personagens e entregando uma visão multifacetada da política espacial, ela inevitavelmente se dissolve em prol da continuidade canônica da saga.
Justamente por isso, ao entender que não precisa criar os mesmo gatilhos e cliff-hangers, Edwards consegue se preocupar em tomar para si apenas os ganchos deixados ao longo dos 39 anos de franquia que fazem sentido para sua narrativa e se interessa mais nas temáticas e em como ampliá-las.
A própria “esperança” e a função que cumpre recebe uma nova roupagem bem interessante. Enquanto nos clássicos dos anos 70/80 ela reside na figura dos Skywalkers, afinal de contas o próprio protagonista é visto como uma nova esperança, aqui ela ocupa um lugar muito mais vasto, como se fosse a matéria prima da rebelião em que estão inseridos de uma perspectiva muito mais real, lidando com os baixos membros da Aliança e em como eles acham sua voz dentro da luta.
Da mesma forma, o recorrente uso da paternidade e sua corrupção entram em cena mais uma vez. Com a filha de Galen ficando encarregada de não só entendê-lo como também cumprir seu objetivo primário, a história repete os dramas de Anakin e Luke (e porque não de Han e Kylo) e ganha uma nova roupagem ao fazer a referência encaixar dentro de sua construção dramática.
A lenta mudança de Jyn entre de ser movida por saudade para ser movida por esperança é revigorante e, em uma visão um tanto arcaica da trama, fecha bem esse ciclo fraternal velado em que estão inseridos todos os personagens.
Aproveitando o gancho, é recorrente que os holofotes se voltem ao tão temido “fan service” e muitos filmes, vide a nova trilogia como um todo, existem somente nessa proposta. Em Rogue One até mesmo esse tipo de referência funciona diferente, ganhando um status de homenagem, as aparições de Leia ou até mesmo a menção de Obi-Wan tanto arrancam suspiros dos fãs quanto compõem a ponte que o filme se pré-dispõe a fazer. Na prática, é uma junção do útil ao agradável que não se resume só ao deleite do fã, entregando para o espectador algo que realmente agregue na sua experiência cinematográfica como um todo.
O que esse filme traz de uma forma e em proporções completamente novas é a aplicação da mitologia dentro de sua narrativa. A Força, sempre moldada ao bel prazer dos diretores, é um recurso fantástico para guiar uma certa ambivalência da narrativa.
Ainda que ela inegavelmente exista, existe uma eterna brincadeira com o espectador quanto a religiosidade e os reais eventos que a cercam, assim sendo, não sabemos até que ponto ela interfere no percurso ou é a crença cega das personagens em seus ideais que lhes garante grandes feitos.
Todavia, ela age como um dispositivo muito mais profundo do que pura telecinese. Aqui ela é o pivô que move a esperança, tantas vezes citada ao longo do filme, para atingir seu equilíbrio. É particularmente legal ver como todas vão lentamente se desprendendo dos preconceitos e abraçando não necessariamente o seu culto, mas seu apreço pelo ideal e aquilo que guia sua existência.
Há quem diga que o estudo sobre religiosidade diz mais sobre o ser humano do que sobre as divindades e aqui isso não é diferente. A Força é muito mais o que cada um enxerga dela do que propriamente um poder único, centrado e arrebatador, uma ótima maneira de explorar as individualidades de cada uma delas ao mesmo tempo que se mantém centrado nas principais temáticas do filme e ainda institui sua fantasia.
A visão micro e macro que Rogue One tem para com Star Wars sumariza muito bem o que ele tem de melhor. É um filme que se dispõe perfeitamente como o preenchimento de uma lacuna, só que sem se prender a isso e alçando novos vôos. Ao mesmo tempo que entrega uma utilização muito particular da individualidade como peça fundamental de um coletivo, seja isso pela “Força” ou pelo ideal, ele ramifica a experiência e se encerra como uma espécie de mito fundador para o trabalho inicial de George Lucas.