O público do cinema e, em especial, os fãs ardorosos do gênero de super-heróis na grande tela passaram a viver com promessas. Ora seja a promessa de um blockbuster repleto de easter eggs, ora seja por uma história que mudasse todo o status quo de um personagem ou de seu universo. Às vezes isso se cumpria, outras não. Neste caso, Batman entrega tudo aquilo que prometeu… e vai além.
Logo que foi anunciado sua participação no novo filme do Cavaleiro das Trevas, o cineasta Matt Reeves revelou que seu desejo não era trazer meramente uma visão atualizada do personagem e seu mundo, mas retratar um dos seus elementos essenciais e que raramente fora apresentado fora dos quadrinhos: conhecido por ser o maior detetive da DC Comics, Batman – em suas encarnações live-action – nunca teve esse lado devidamente explorado.
Você conhecia suas origens, suas motivações para ser aquele vigilante implacável de Gotham, sua sede por justiça… Mas o que foi até então minimamente apresentado ao público em outras obras, aqui transborda na tela: Batman traz uma trama com requintes de uma investigação noir, em um ambiente que exala mistério e um protagonista inteligente, mas perturbado, muito longe do então futuro símbolo de justiça.
É revigorante observar Batman examinando a cena do crime, pesquisando, interrogando bandidos, juntando um quebra-cabeça. Assim como em um bom filme policial, o herói ainda sem experiência está atrás dos passos de um serial killer – aqui no caso representado pelo Charada (Paul Dano, excelente). Uma vez que o vilão o joga no centro das investigações, o então vigilante passa a desmascarar uma rede de poder que consome toda a cidade.
A verdade é que, sem medo de comparações com outros filmes com atmosfera similar, Reeves bebe levemente da mesma fonte que outros como David Fincher e até Martin Scorsese já usaram para contar a história não de um crime, mas de seu investigador. Também é verdade que o quê se vê em tela graficamente não alcança estas mesmas obras, até porque aqui foi necessário atenuar ou deixar implícito contextos e ações que, expostas escancaradamente, poderia fazer com que a produção fosse restrita para um público mais jovem e, consequentemente, tivesse uma bilheteria menor do que a desejada.
E mais: dá pra perceber que há influência de Tim Burton quando o diretor necessita de nuances aventurescas e apresentar Gotham City. Isso faz com que haja uma mistura entre o suspense e a ação na medida certa.
Entretanto tais fatores não tiram o mérito próprio de Reeves que, mesmo se contendo em algumas partes da trama, nos apresenta a um combatente que beira ao suicida, com uma fome por vingança (e não justiça) desenfreada. Dessa forma, é seguro dizer que, se não fosse pela intervenção de pessoas ao seu redor – seja Selina Kyle (Zoë Kravitz), Alfred (Andy Serkis) ou mesmo Jim Gordon (Jeffrey Wright) – em momentos ao longo do filme, Batman seria nada mais que só mais um lunático no meio de uma cidade cheia destes. Tanto que Bruce Wayne quase não aparece, encarnando muitas vezes um morcego que foge da claridade, sempre com os cabelos escondendo a face pálida e uma postura encurvada, só vivendo ativamente somente sob a lua.
Dito isso, é possível dizer que a versão do herói que Robert Pattinson traz é uma das melhores já vistas no cinema. Quem ainda tinha algum receio (ou seria preconceito?) da atuação do ator, pode se acalmar: o astro, que já demonstrou seu talento em produções aclamadas pela crítica e poucas vistas pela massa, consegue segurar o personagem – somente com os olhos, em alguns casos – e complementa muito a visão que Reeves queria desde o começo.
Quem também colabora muito com o diretor é a trilha sonora assinada pelo agora onipresente Michael Giacchino e a fotografia de Greig Fraser, que transporta o público para uma Gotham que, se não chega a ser um personagem central como em Batman: O Retorno por exemplo, ao menos se mostra um habitat muito melhor do que todos os outros longas da franquia.
O que pode estragar um pouco a imersão plena de alguns espectadores é a “lentidão” do filme Batman, que constantemente para a história para explicar o que está acontecendo na tela. Ser expositivo demais pode desagradar quem for buscar uma narrativa mais fluída e sem necessidade de amparos mais explícitos. Isso sem contar que muitos possam ir ao cinema em busca de uma aventura mais frenética, mais pasteurizada e isso não é o que se vê aqui.
No fim, a gente percebe que aqui Batman não é um herói mas parte do problema, de um sistema falido onde suas atitudes desencadeiam consequências tão nocivas quanto a criminalidade ali já enraizada. Ainda inexperiente, ele precisa enfrentar seus demônios internos para ascender como aquele que viria a ser lembrado como uma figura de justiça.
E como isso irá desenrolar daqui pra frente? Pistas promissoras foram dadas para os próximos passos dessa jornada de maturidade. É uma promessa que Reeves ainda não fez… mas que pode cumprir como ninguém.