Não foram poucas as vezes em que vimos possessões demoníacas retratadas nas telas do cinema (assim como em O Ritual), e ainda mais frequentes são os casos em que o filme tenta se passar por verossímil ao tratar a ocupação do “coisa ruim” em um triplex humano como algo “baseado em fatos”.
Muitas vezes a ânsia de fazer com que o espectador creia piamente em acontecimentos sobrenaturais faz com que o filme perca a mão, fazendo de tudo em nome do convencimento, inclusive as batidas cenas escalafobéticas da pobre alma que sofre da síndrome de apartamento do capeta que parecem mais uma apresentação de circo do que com a seriedade que uma infestação dessas merece.
“O Ritual” parece ter plena consciência disso, e apresenta perspectivas interessantes não só ao retratar o processo de exorcismo, mas também a usar o caso mais documento de uma possessão dos Estados Unidos a seu favor. Ao escolher retratar o suplício de Emma Schmidt como um fenômeno social, o roteiro consegue “driblar” as claras restrições orçamentárias e também os clichês das convenções do gênero.
O longa entende que não é o caso mais chocante de exorcismo, o mais longo, o mais assustador, ou até mesmo o mais interessante, mas usa o seu único “mais” como trunfo. A quantidade de informações verdadeiramente catalogadas sobre os eventos permite que a história seja abordada em diferentes frentes de batalhas, não só no front espiritual entre o padre e o demônio.
Não me entenda mal, o filme realmente tem cenas gráficas e chocantes, como se espera do sete peles, mas esses momentos são cuidadosamente integrados à narrativa de forma a respeitar a ideia do exorcismo como algo metódico e progressivo. Na verdade, o grande trunfo desse projeto é a maneira como as informações são trabalhadas e reveladas, desde a construção da atmosfera tensa até os conflitos que afetam os personagens que não estão diretamente envolvidos nesses ritos.
“O Ritual” realmente não tem a execução mais criativa, e em certos momentos o uso da câmera frenética parece uma muleta para tentar criar tensão a todo custo, escondendo algumas cenas menos inspiradas.
Ainda assim, o filme é extremamente honesto, com atuações contidas, mas muito solenes e competentes (inclusive, acredito que poderiam ter explorado melhor o potencial de Al Pacino).
Ao retratar um caso extremamente rico em detalhes e bem documentado, o filme honra os envolvidos nos eventos e a reverência dos realizadores em relação à essas pessoas transparece na tela. Não é o filme de exorcismo mais entusiasmante ou eletrizante, mas pode ser extremamente interessante para os entusiastas de casos sobrenaturais analisarem sua reprodução em tela.
