Edgar Wright sempre foi um diretor associado à energia: montagens rápidas, humor inteligente e ação coreografada com precisão milimétrica. Em O Sobrevivente, remake do clássico distópico baseado na obra de Stephen King (publicada sob o pseudônimo Richard Bachman), Wright volta ao gênero da ação futurista disposto a equilibrar espetáculo e crítica social. Porém, ao longo de duas horas, o filme revela uma contradição difícil de ignorar: quanto mais ele tenta dizer algo relevante, mais se afunda em lugares-comuns.
Baseado no livro de Stephen King, escrito sob o pseudônimo Richard Bachman, o longa acompanha Ben Richards, um trabalhador destruído por um sistema desigual, que vê sua última chance na participação de um reality show mortal. Sobreviver significa garantir o futuro de sua família; perder significa tornar-se mais um espetáculo sanguinário para um público sedento por violência. A premissa, extremamente atual, ecoa um mundo em que miséria vira entretenimento e indignação é convertida em audiência.

O grande mérito do filme está no recorte escolhido por Wright. Ele não tenta transformar Ben em um salvador messiânico, nem encher a narrativa de frases vazias sobre revolução. A verdadeira história está no desgaste emocional do personagem, cuja raiva inicial se transforma em algo mais complexo: um esgotamento social e moral. Powell entrega uma performance sólida, feita de silêncios, tensões físicas e um olhar perdido que diz mais do que os diálogos permitem. Sua interpretação pode não reinventar o herói de ação, mas dá ao personagem uma humanidade que impede o filme de virar apenas espetáculo.
Visualmente, Wright demonstra controle absoluto da mise-en-scène. As cenas de perseguição são bem coreografadas, a construção do universo distópico é convincente e a fotografia traduz com precisão o colapso de um país afundado em cinismo. Porém, é justamente aí que nasce a contradição central do longa: ele quer criticar a superficialidade midiática enquanto se apoia nela. O roteiro apresenta temas fortes — manipulação de massas, exploração da dor, falsa meritocracia — mas raramente se aprofunda. O discurso começa incisivo e, na cena seguinte, se dissolve em escolhas óbvias e soluções fáceis.

O filme quer ser político, mas teme o confronto. Quer ser brutal, mas se satisfaz com frases de efeito. Quer ser libertador, mas repete estruturas previsíveis. Ao final, O Sobrevivente parece dividido entre o desejo de ser um blockbuster explosivo e a vontade de assumir uma posição crítica real. Essa tensão nunca se resolve, e o que poderia ser revolucionário se torna apenas competente.
Ainda assim, há algo valioso no centro dessa experiência: a tentativa de resgatar a indignação original do texto de Bachman, mesmo que o resultado não alcance toda a potência prometida. É um filme que pulsa, que tenta respirar em meio ao excesso de ruídos e que nos lembra de que o entretenimento pode — e deveria — carregar significado.
No fim, O Sobrevivente é como seu protagonista: corre com força, enfrenta gigantes, mas não consegue escapar do sistema que o aprisiona. Uma boa obra, com alma e técnica, mas que deixa a sensação incômoda de que poderia ter sido muito mais.




