O ser humano tem dentro de si o medo de mudanças, do desconhecido, e quando algo tenta interferir em sua zona de conforto ele tende a refutar a ideia. Agora lhes pergunto: Por que nos quadrinhos seria diferente?
As histórias em quadrinhos sempre contextualizaram em suas páginas a atual situação da sociedade em que estavam presentes, buscando trazer para os jovens leitores um pouco da realidade que talvez não pudessem enxergar devido ao forte conservadorismo presente na maioria das famílias, portanto, não era raro quadrinhos abordarem temas sobre os temores da Grande Guerra, a luta ideológica do Capitalismo x Comunismo, a infindável batalha contra as drogas, a desprezível – mas inevitável – corrupção humana ou até mesmo a silenciosa e dolorosa caminhada das minorias dentro de uma sociedade extremamente preconceituosa.
Para falarmos em específico deste último item citado, devemos voltar lá atrás, na fundação de ambas as editoras (Marvel e DC) e não só focarmos nelas em si, mas no momento socioeconômico e sociopolítico vivido pelos EUA, onde o intenso conservadorismo gritava a plenos pulmões as regras do jogo e a representatividade ainda mal rastejava dentro das páginas.
Homens de grande influência manipulavam as massas, alertando sobre o perigo de aceitarem pessoas de outras culturas em território americano; sobre homossexuais serem pecadores e merecerem a castração química; que as mulheres deveriam ter suas vidas atreladas a de seus maridos, tornando-se assim, reféns indiretas; e que negros nem almejar uma carreira política ou militar poderiam. Um país onde se vivia o apartheid cultural e real nunca aceitaria que suas crianças não tivessem como ídolos o ideal de beleza americana, e é neste ponto que nasceram os grandes ícones das duas editoras, que por mais que lutassem contra tudo isso, jamais seriam um Superman homossexual, Batman ou Capitão América negros, um Homem Aranha imigrante, entre outros, pois todos sempre seguiam um padrão: o ideal americano da simbólica soberania branca e patriarcal, onde os grandes heróis sempre tinham um padrão pré-estabelecido pela sociedade em que habitavam.
Tempestade (1975), Pantera Negra (1966), Estrela Polar (1979), Cyborg (1980), Miss Marvel (1977), Raio Negro (DC Comics 1977), John Stewart (1971), todos são exemplos de personagens negros, mulheres, homossexuais… Mas por que eles se diferenciam tanto dos atuais Miles Morales, Sam Wilson, Jane Foster, Riri Willians, Khamala Kan entre outros?
Se diferenciam pois, pela primeira vez temos os grandes ícones de uma editora sendo representados por personagens com problemas reais, suburbanos, da periferia, sem nenhum brilho ou hipersexualização. Finalmente os menos favorecidos poderão se enxergar em personagens palpáveis, não em líderes tribais, rainhas, mulheres e homens inalcançáveis, finalmente os grandes mantos representam também aqueles que sempre precisaram de verdadeiros heróis.
Não precisa ser um bilionário, cientista, virar um monstro verde enorme, ser famoso, playboy, filantropo, treinado em artes marciais ou qualquer outra característica excepcional para salvar o mundo e colocar um sorriso no rosto de alguém, você precisa ter apenas o poder do QUERER, e essa é a mensagem que os quadrinhos sempre passaram, essa é a mensagem que cada manto sempre passou, pois o manto sempre foi maior que o humano que o vestia, a ideia sempre deveria prevalecer, pois o humano morre, mas o pensamento não, ele cria força e move multidões em tempos difíceis.
Pode ser uma garota imigrante, um rapaz negro do subúrbio ou até um cara qualquer, sabe? Aqueles que ninguém deposita fé? Então, independente de traço físico, cultural, identidade de gênero, sexualidade, nacionalidade, todos podem fazer a diferença com pequenos atos e ações ao próximo e sabem o que é isso? Isso se chama representatividade, e para nós que somos acostumados com nossos maiores heróis do jeito que imaginamos, ela pode ser indiferente ou até chegar a incomodar, mas para as pessoas que não estão acostumadas a se verem retratadas nos maiores ícones da terra, aqueles que sempre se viram como o “refugo” da sociedade ela é importante sim.
Empoderar pessoas oprimidas socialmente é uma obrigação, e se você acha que esse papo é “vitimismo”, primeiro reveja seus conceitos e pare para pensar o por quê de um ator negro ou uma mulher incomodarem tanto você. Após isso, leia esses relatos, inclusive o da atriz Whoop Goldberg entre outros famosos.
“Bem, eu tinha 9 anos quando Star Trek foi ao ar. Eu olhei para a televisão e saí correndo pela casa gritando: “Vem aqui, mãe, vem aqui todo mundo, depressa, vem logo! Tem uma moça negra na TV e ela não é empregada!”
“Ninguém nasce odiando alguém pela cor de sua pele, origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar também.
Nelson Mandela.
É importante frisar que quando empodera uma mulher, você muda o mundo. Espero que, em 20 anos, tenhamos menos batalhas e que toda mulher possa ser aquilo que deseja.
Diane Von Furstenberg.
Assim como no passado, a luta LGBT tem atualmente grande relevância, e poder ver essa representatividade em HQs é um reflexo de que estamos fazendo algo certo, afinal, apesar de que o público alvo sejam jovens adultos, muitas crianças têm acesso a essa mídia (eu mesmo comecei a ler Homem Aranha aos 8 anos de idade). Preconceito, discriminação e racismo, são apenas alguns exemplos de maus criados pelo meio em que estamos inseridos, por isso a importância das HQs debaterem a respeito, garantindo que assim (mesmo que aos poucos) cada vez mais esses maus sejam desconstruídos.
Augusto Ribeiro
Enquanto mulher, nascida e criada em um mundo naturalmente machista em fase de rompimento, posso dizer que a sociedade ainda possui uma mentalidade ultrapassada e opressora. Mas felizmente o século XXI chegou com uma avalanche de mudanças que transformou e ainda transforma o mundo, e nesse momento histórico que estamos vivendo, o feminismo ganha mais força a cada dia e finalmente as pessoas começam a entender o tamanho da sua importância. O nosso trabalho é de formiga (devagar e contínuo) e bem aos poucos ele vai atingindo cada vez mais os diversos setores da humanidade. Fico imensamente feliz de ver que o universo da cultura pop, que tanto amamos e que faz parte de nossas vidas, esteja aderindo com força e vontade, mesmo que com certa resistência, a nova era das representatividades.
É fantástico assistirmos filmes, ler livros e HQs em que exista uma variedade de personagens de sexo e etnias diferentes. Acontece que essa cultura do entretenimento na qual estamos 100% inseridos influência e muito as nossas vidas, ajudam a disseminar ideais, transmitem informações, bem como interferem na nossa relação com a realidade exterior e a forma como lidamos com muitas coisas no nosso dia a dia. A grande questão é que não queremos mudar o passado, é compreensível que nós colhemos os frutos da história e do que vivemos até aqui, que algumas coisas foram criadas dentro de um contexto que não pode mais ser mudado; mas é imprescindível que de agora em diante, dentro desse novo contexto e desse novo mundo que estamos tentando criar, nós realmente mudamos e através da arte ajudamos a propagar a igualdade acima de todas as coisas.
Lorena da Silva Ávila, redatora do Cabana do Leitor
Revisado por: Bruna Vieira.