Quem vivenciou os anos 1990 pode ter lembranças de uma época onde cinemas eram lotados por pessoas que, embora tenham visto trailers e comerciais de TV, conseguiam ser pegas de surpresa pelas revelações bombásticas de Clube da Luta, entravam numa sessão de Matrix sem fazer ideia do que se trava, recebiam com espanto a reviravolta central de O Sexto Sentido e começavam a assistir a O Exterminador do Futuro 2 sem saber que, desta vez, T-800 era o herói que empregaria seus esforços para proteger John Connor do amedrontador T-1000.
Os cinéfilos daquela época não sabiam, mas aquele era um dos últimos momentos onde eles estariam contando com a generosidade das campanhas de marketing.
Agora, vamos avançar para o presente e retornar à franquia estrelada por Arnold Schwarzenegger: os sortudos podem ter se esquecido de Gênesis, cuja estreia foi precedida por trailers e anúncios televisivos que, não satisfeitos em detalhar cautelosamente cada evento que ocorreria no longa, ainda faziam questão de entregar a principal reviravolta da trama. Não que isso fosse melhorar o filme de forma definitiva, mas ao menos ia justificar o suspense que o roteiro tenta estabelecer entorno da revelação de que (alerta de spoiler) John Connor é o novo robô assassino à caça de sua mãe, Sarah (pois é, isso não faz sentido algum).
E o que dizer das produções estreladas por super-heróis de quadrinhos? Há 38 anos, testemunhar o Superman de Christopher Reeve girando a Terra na direção reversa para voltar no tempo era uma surpresa que, se não agradava a todos, ao menos não era antecipada pelos espectadores. Já Vingadores: Era de Ultron, por outro lado, foi prejudicado por trailers que, de tão expositivos, acabaram com qualquer surpresa que poderia existir na película (sem contar as inúmeras e certeiras teorias de fãs, que, no fim das contas, também colaboraram para que aquele longa se transformasse numa experiência previsível). O único acontecimento inesperado que poderia haver naquele filme (a morte de certo personagem) também já vinha sendo encarado como uma hipótese bastante provável pela Internet.
Em 2016, por sua vez, tivemos o polêmico Batman vs Superman, que gerou cerca de quatro trailers (considerando o teaser liberado em maio do ano passado), confirmou que os dois heróis-título não chegariam ao fim da aventura como adversários, mostrou trechos avulsos de uma cena que não passava de um pesadelo de Bruce Wayne e, para completar com um erro fatal, trouxe à tona o monstruoso Apocalipse, o que praticamente garantiu que o destino de um dos personagens seria… aquele. Assim operam as estratégias de marketing dos tempos atuais: explicitando surpresas fundamentais e dando brecha para que o próprio público possa se encarregar de estragá-las – e por mais que eu seja alucinado por Mad Max: Estrada da Fúria, confesso que ser apresentado àquele guitarrista pós-apocalíptico somente enquanto assistia ao filme seria mais interessante do que descobri-lo num curto trecho presente num dos últimos trailers.
Em compensação, este deserto de spoilers involuntários e divulgações excessivamente explanatórias trouxe uma espécie de oásis chamado Star Wars – Episódio VII: O Despertar da Força, que realizou um feito magistral ao levar as redes sociais ao delírio e à ansiedade extrema sem deixar de ocultar grande parte dos detalhes a respeito da trama durante a campanha promocional, gerando uma imprevisibilidade tradicionalmente zelada por J.J. Abrams (quem duvida precisa se recordar do marketing que criou um imenso mistério em volta do vilão de Além da Escuridão – Star Trek e só foi revelar a existência do recente Rua Cloverfield, 10 poucos meses antes da estreia do longa). E o resultado dessa filosofia do “vamos criar o hype sem entregar as novidades” é estimado em mais de US$ 2 bilhões, batendo uma marca que, até então, só havia sido alcançada por Titanic e Avatar.
É essa audácia que falta nos materiais publicitários de hoje: parece que os trailers não estão mais interessados em atrair o público, mas em amamentá-lo com informações que farão com que ele se sinta mais confortável com aquilo que ele verá na tela grande. Pode-se dizer que os anunciantes não querem correr riscos de obter prejuízos nas bilheterias apenas porque – em tese – os espectadores decidiram não assistir a certos filmes por não se sentirem 100% seguros quanto ao que verão. No entanto, é justamente aí que reside uma diferença sutil, mas profundamente importante: o que trará segurança às pessoas quanto àquilo que veem nos cinemas não é o que vai acontecer, mas aquilo que pode acontecer. Não é única e exclusivamente a trama; é aquilo que orbita a trama.
E verdade seja dita: acho difícil que alguém tenha realmente visto Batman vs Superman apenas porque o Apocalipse marcaria presença. Quem assistiu ao último projeto de Zack Snyder nas telonas o fez por causa de Batman e Superman, e para isso, não é de extrema urgência saber que Apocalipse estará no filme. O mesmo vale para O Despertar da Força: se você conhecesse o destino daquele personagem, se sentiria mais convencido a conferir o longa?
Eu, particularmente, vi Star Wars por que… era Star Wars.