Estreia nesta semana o melhor filme brasileiro do ano contando a história de um homem que se levou ao extremo para reconhecer o seu talento. Bingo: O Rei das Manhãs é a estreia na direção de Daniel Rezende, conhecido montador dos maiores sucessos do nosso cinema recente como Cidade de Deus (2002), O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias (2006), Tropa de Elite (2007). E ele não poderia começar melhor.
Baseado na vida de Arlindo Barreto, o eterno palhaço Bozo, Bingo: O Rei das Manhãs não é uma simples biografia. É um manifesto, uma prova de como podemos ser corrompidos pelo sucesso, fama e dinheiro mas também ser possível se salvar, se reconhecer, se libertar, sobreviver. Quem tem menos de 25 anos pode não se lembrar mas, Bozo era um palhaço que apresentava um programa infantil no SBT e chegou por diversas vezes a ultrapassar a audiência da Rede Globo. Por trás do palhaço estava o ator Arlindo Barreto, conhecido ator de pornochanchadas na década de 70. Barreto é tão reconhecido como Bozo como pela vida tresloucada. Consumiu drogas, dormiu com muitas mulheres, se elevou ao extremo e ao abaixo da fama. Após quase morrer, se converteu e virou pastor. Muitas aventuras, não é amiguinhos?
Mas, é essencial ressaltar: Bingo é a história de vida de Arlindo Barreto e não do personagem Bozo, sucesso indescritível e parte da memória da televisão brasileira.
Mas, vamos ao filme. Bingo é simplesmente espetacular como obra narrativa. E Vladimir Brichta, com certeza, é o Bingo. O ator está estupendo, encarna um personagem poderoso, ágil e engraçado. Aqui, Vladimir interpreta o ator Augusto Mendes, conhecido por trabalhos nas pornochanchadas da época. Querendo alcançar o sucesso de todas as formas, se candidata para participar de uma seleção de elenco de um programa infantil. Esta cena, aliás, é uma das melhores coisas vistas em anos no cinema. Ao conseguir o papel do palhaço Bingo, Augusto transforma a programação infantil e conhece a fama e sucesso que tanto buscava. Mas isso tem um preço. E ele é alto.
Com essa história, o diretor Daniel Rezende e sua equipe fizeram um filme belíssimo. Tudo funciona em uma singular sincronia. Somos transportados para os anos 80 em todas as suas formas. Mérito disso para o trabalho de arte com detalhes de figurino, trilha sonora perfeita e ideias geniais como os créditos e legendas nos lembrando ao videotape e chamar a Rede Globo de TV Mundial.
Não sei como dizer mais do já dito, mas Vladimir Brichtta é a alma do filme. Não por ser o protagonista mas por ser impossível tirar os olhos dele. Suas tão diferentes nuances com ou sem maquiagem nos movem, nos guiam pela história. O seu Bingo é uma força da natureza: incontrolável e sem limites. E Brichta entrega isso de forma tão visceral que cheguei a acreditar ter visto o Bingo e não Bozo durante minha infância.
Os outros atores estão ótimos também. Leandra Leal interpreta Lúcia, a diretora do programa religiosa. Sua interpretação sem a estereotipagem dos crentes mostra o quanto a atriz é grande. Augusto Madeira como o câmera e amigo do personagem principal é engraçado e tem ótimas sequências com Brichta.
E a direção de Rezende é segura, presente, notável. Duas cenas me chamaram muita atenção pela beleza: um momento onde Augusto segue por um corredor escuro com as luzes se apagando e também quando Augusto e sua mãe conversam e ao final, ela apaga a luz de seu retrato jovem. Tudo aqui é um símbolo de fim, de amargura. É lindo. É grandioso.
Em última análise, Bingo – O Rei das Manhãs, é um filme maravilhoso que vai além de uma simples biografia (existentes aos montes). Vai além. Assim como Bozo foi, Bingo pode ser uma memória inesquecível do nosso tempo.