Continuamos nossa análise da quarta temporada da série Black Mirror, agora com o episódio Crocodile.
E sim, demorou, mas chegou o pior roteiro de umas melhores séries do momento. E isso vindo de Black Mirror, caracterizada justamente pela coerência de suas histórias, é uma enorme decepção.
Crocodile foi escrito por Charlie Brooker e dirigido por John Hillcoat.
Quando Mia (Andrea Riseborough) e seu namorado Rob (Andrew Gower) causam uma morte acidental e escondem o corpo. Quinze anos depois, agora ex-namorado, Rob quer confessar seu crime sob protestos de Mia, hoje casada, com um filho e uma carreira sólida. Após uma breve luta, Mia consegue matá-lo, e logo depois, testemunha um acidente de rua entre um pedestre e uma van de entregas. Shazia (Kiran Sonia Sawar) é contratada para investigar o acidente e usa um dispositivo Recaller que lhe permite ver as lembranças recentes daqueles entrevistados. Durante uma entrevista com Mia, Shazia descobre as memórias sombrias dela e se vê numa mortal encruzilhada.
Então, por onde começar? A premissa da história é muito interessante, é inegável a tensão e o sentimento de prender o telespectador, mas muito dessa ‘prisão’ vem por meios estapafúrdios. Vamos comigo e já adianto que teremos SPOILERS!!!
Bom, eu sou o tipo de espectador mente aberta, daqueles que entra no mundo da história, que se imagina dentro daquele universo e busca compreender o que é mostrado. Muitas vezes, é a melhor forma de entender ao invés de ficar falando ‘ah, que mentira, absurdo e afins’. Mas, no entanto, um roteiro precisa ter o mínimo de coerência. Tudo que esse episódio não tem. Vamos lá:
A morte do ex-namorado é não só estúpida como impossível. Não faz sentido nenhum uma mulher de uns 60kg ter mais força que um homem de uns 80kg. Ela não tem como ter imobilizado um cara daquele tamanho, daquela forma e tê-lo matado apenas com um tombo. Cair e bater a cabeça é uma coisa, agora cair, bater a cabeça, o sangue espirrar e ela ter força pra enforcá-lo com o antebraço, me desculpe, é forçar muuuuito a amizade. Detalhe que não há quase nenhum esforço contrário dele para sobreviver!
Após isso, continua o nonsense onde Mia entra e sai de um hotel com um corpo na mala sem ser vista. Aliás, em qualquer lugare por onde ela passa, sequer é notada. O maior furo nessa parte do episódio foi no momento em que ela faz o checkout, e o atendente pergunta: “A senhora estava sozinha ou acompanhada?” Como assim um atendente de Hotel não sabe quando os hóspedes recebem visitas???? Só isso já inviabilizaria a trama inteira. É impossível nos dias de hoje não terem nos hotéis, filmagens de câmeras no hall e no estacionamento do local.
Ah, e temos ainda os infelizes momentos de má sorte. No momento que Shazia e Mia têm seu encontro e a investigadora descobre tudo, ela sai apressada e tenta fugir em seu carro. Mas o que acontece? O veículo falha miseravelmente e coincidentemente na hora que Mia quebra o vidro do carro com duas pancadas, em seguida apaga a mulher e a carrega SOZINHA pra um lugar perto da sua própria casa. Cadê seu filho? Seu marido? Algum vizinho? Ninguém viu nada?
Mia mata Shazia com um pedaço de madeira, vai a casa dela pra matar o marido porque ele sabia onde a investigadora havia ido. Mia, então, entra na casa tipo uma ninja e mata o cara, que era três vezes o seu tamanho, no banheiro.
E aí, entra o momento chocante do episódio onde ela descobre o bebê do casal. E mais uma vez, as lágrimas de crocodilo. Aliás, essa explicação sobre as lágrimas é uma das poucas coisas interessantes do episódio. Dizem que um crocodilo chora quando está mordendo suas vítimas por causa da compressão das glândulas. Uma boa analogia com Mia que chora quando mata suas vítimas, mas continua fazendo isso repetidamente demonstrando uma falsa piedade.
O final apesar das críticas de uma boa parte da imprensa, eu achei plausível. Após matar toda a família pra esconder seus rastros, ela se esquece de um porquinho-da-Índia que ficava na frente do menino. O animalzinho não precisa entender o que acontecia, mas só a visão dele era o suficiente para elucidar o caso.
Mesmo assim, Crocodile é um festival de erros grotescos que tiram qualquer tentativa de se serem levados a sério. Pra mim, o pior episódio de uma temporada bem aquém do que conhecemos como Black Mirror.