No 30º aniversário do desastre de Chernobyl, Putin em seu discurso aplaudiu a “incomparável bravura e auto sacrifício de bombeiros, militares, especialistas e médicos”, que prontamente após a explosão arriscaram suas vidas para salvar milhares de pessoas. A amplitude da tragédia poderia ter sido imensamente maior – quase 50 milhões de vidas estavam em risco – se esses homens não tivessem agido, disse Putin. Ele estava certo, é claro. Mas ele também estava errado.
Suas palavras cuidadosamente escolhidas não poderiam ser mais tematicamente relevantes para “Chernobyl”, a nova minissérie da HBO, baseada nas consequências imediatas do pior acidente na usina nuclear da história, e na subsequente cobertura do governo.
É uma conquista impressionante, emocionante e apavorante em igual medida, criada e escrita por Craig Mazin. Para ele ter escrito o melhor programa de televisão de 2019 e, certamente, um dos melhores dos últimos cinco anos, é mais um exemplo de como, dada a oportunidade e liberdade, nada pode superar a paixão de um contador de histórias.
A história começa na noite do acidente. Em 26 de abril de 1986, um reator nuclear explodiu na usina de Chernobyl, nos arredores de Pripyat, no que era então a União Soviética. O fogo resultante no moderador de grafite do reator levou a grandes quantidades de radiação que atravessaram o raio local através da fumaça. O incidente é considerado por muitos como o acidente nuclear mais catastrófico da história.
Contada através de múltiplas perspectivas – uma mãe expectante testemunha a explosão da janela de seu quarto, cientistas lutam para entender isso dentro da usina, políticos são despertados de seu sono a quilômetros de distância em Moscou – cada segundo é cheio de ansiedade nauseante. Saber como esta história termina não diminui de forma alguma o terror de vê-la se desdobrar em “tempo real”.
De forma extremamente poética, a câmera capta imagens da chuva de cinzas que caíram nas pessoas que viam o desastre por uma ponte. Para mim, é uma das cenas-chaves. A cena é simples, sutil, bonita e em câmera lenta podemos ver adultos e crianças que até sorriem por ver um brilho no céu, algo que geralmente está associado à uma boa surpresa. Mas, em Chernobyl, as cinzas do incêndio não eram cinzas comuns. E é aí, a primeira vez, que a série captura inocência, fragilidade, irresponsabilidade, ignorância, e tudo isso sem diálogos, apenas imagens combinadas à criativos desenhos sonoros.
A série mistura elementos dramáticos, de horror e até se arrisca a dar leves alívios cômicos. E por mais fantástico que poderia ser uma produção como essa, com um tema como esse, “Chernobyl” é mais real, é mais humano, e isso vai desde os diálogos à escolha do que colocar no quadro e deixar fora dele. Alguns cenas se tornam extra-diegéticas, e Chernobyl parece estar bem do nosso lado.
Uma das cenas mais fortes acontece logo no início, quando o professor Valery Legasov (Jared Harris) – por um tempo a única pessoa que realmente entende a escala do que aconteceu – pede calmamente ao líder do Partido Comunista, Mikhail Gorbachev, que permita ele contratar homens para entrar fisicamente na zona nuclear para realizar uma limpeza manual. Ele está essencialmente buscando permissão para matar esses homens. Em questão de dias, sua pele começará a se soltar, suas entranhas serão comidas, eles perderão seus sentidos. Eles serão, tragicamente, forçados a morrerem sozinhos, intocáveis para suas famílias por medo de contaminá-los.
Legasov é a coisa mais próxima que Chernobyl tem de um protagonista. Mas para os homens e mulheres cujas mortes ele sancionou, como ele poderia ser tudo menos um vilão? “Qual é o custo das mentiras?”, ele se pergunta no episódio um, anos depois do fato. “Não é que vamos confundi-los com a verdade. O perigo real é que, se ouvirmos mentiras suficientes, não mais reconheceremos a verdade. ”
E mentiras foram o que o povo soviético tiveram – o nível de radiação não era alarmante, que estava sob controle, que os efeitos imediatos poderiam ser contidos; através de propaganda, através de notícias falsas, e através de décadas de ter vivido sob o regime comunista, onde as questões do estado eram deixadas nas mãos dos poderosos. E eles caminharam para a morte, cantando: “Eu sirvo a União Soviética”.
Em vez de evacuar rapidamente a cidade de Pripyat, decidiu-se colocá-la em quarentena. Para lidar imediatamente com a situação, pessoas foram recrutados para ajudar no processo de limpeza – liquidatários civis, como eram chamados, e alguns deles eram apenas… jovens.
Nunca antes imagens de janelas abertas, de mães abraçando seus filhos, de pessoas se banhando na chuva, do vento que bate na copa das árvores nas florestas, foram tão assustadoras.