Theranos: junção de terapia (therapy) e diagnóstico (diagnosis), uma ideia de promessas revolucionárias que acabou por se tornar um esquema de mentiras imensas.
O novo ótimo documentário de Alex Gibney – “Taxi to the Dark Side” (2007), vencedor do Oscar de Melhor Documentário – dá voz aos depoimentos de empresários, jornalistas, ex-funcionários e políticos relacionados com a história de uma empresa e sua CEO no Vale do Silício.
Explorando a voz acusativa de um processo ainda em andamento, a HBO produz um discurso polêmico numa realidade para além da Guerra dos Tronos.
No pensamento criativo de Elizabeth Holmes, a CEO idealizadora da Theranos, está a máxima do fake it until make it, derivada dos discursos de Thomas Edison, o maior inventor de patentes da História.
Mentir o sucesso, então, até que esse sucesso exista; até trazer à realidade as coisas que antes eram mentiras, afirmar que o produto final existe quando ainda está em gestação. Chegando a envolver mais de 800 funcionários e acumular um patrimônio líquido de mais de 9 bi de dólares, o sonho de Elizabeth Holmes é comparado ao de Steve Jobs, eminente jovem universitário que veio a se tornar o parâmetro para os outros jovens do Vale do Silício.
Ela abandonou sua faculdade em Stanford a fim de investir na Theranos, conseguiu inúmeros patrocínios que vão de grandes empresários da Wall Street à banqueiros e secretários do governo dos EUA. A trama passa pela delação das mentiras de Holmes, que teria, como Sharazad em As Mil e Uma Noites, persuadido por 2 anos seus patrocinadores e colegas de trabalho a dar crédito (do verbo latino credere, acreditar) às promessas de que com uma gota de sangue, apenas, o Edison – máquina multitarefas baseada no nome do inventor modelo – haveria de realizar todos os exames hematológicos possíveis, a um baixíssimo custo e de forma indolor para o paciente, se tornando, então, um diagnóstico terapêutico.
Cores monocromáticas e vidros transparentes, infraestrutura de laboratório químico em paletas brancas opacas, tons que impressionam ora higienismo ora um suspenso clima quanto à trama, a estética maquínica, verossimilhança narrativa entre as personagens.
Elizabeth, um gênio que para muitos se parece com Beethoven ou mesmo Alexander Fleming, a protos reureters (primeiro inventor, pioneiro) de uma tecnologia altamente revolucionária, é a personagem de uma trama com caraterísticas ficcionais, num documentário tão bem produzido que seu desempenho ante a câmera beira à performance actancial – seria essa a maior revelação da falsidade de suas aparências?
Chegou-se a usar na empresa codinomes e janelas blindadas, atuações combinadas entre funcionários para contornar os olhos de fiscalizações, tudo para criar nas próprias mentes um negócio que transformaria o mundo, muito além dos desejos de criança de Holmes, quando se realizava apenas com a ideia de construir algo.
Entre as entrevistas ela é citada de diversas maneiras controversas entre si numa montanha-russa de adjetivos: intensa, íntegra, competente, impressionante, idealista, louca, incrível, ingênua, desinteressante, vigarista, golpista, excelente, revolucionária, excelente, focada, paranoica, comicamente vaga…
O desespero de Elizabeth aliado ao seu alto grau retórico, seu desejo de fazer o bem ainda que pelo uso de mentiras, lembrou-me a personagem machadiana Brás Cubas, em sua ânsia pelo emplastro que veio a culminar na própria morte, morte que chegou na inesperada leve e frágil brisa.
Como reuniões sérias para determinar o destino de vidas se tornavam banais convenções para decidir distratores quanto ao fracasso do Edison? Como Elizabeth convenceu seus pares a assinar contratos de sigilo sem mesmo terem visto funcionar as máquinas em que estavam investindo? Como anunciou-se uma revolução numa utopia incipiente? Haverá o dia em que tantos diagnósticos a partir de uma única gota de sangue serão feitos? Seria Elizabeth Holmes uma psicopata? São questionamentos desse bom filme.