Quem foi Jack, O Estripador? Teria ele escrito um diário? Algum objeto dele teria cruzado as décadas? São estas perguntas que movimentam o leitor dentro do livro O Diário de Jack, o Estripador, que se propõe a investigar a autenticidade dos elementos encontrados e também abre a discussão ao interlocutor.
“Ou ele é verdadeiro ou é uma falsificação moderna extremamente boa”
O Diário de Jack, o Estripador é um livro de não ficção escrito por Shirley Harrison, uma das envolvidas na investigação sobre o diário supostamente escrito pelo assassino em série. Publicada pela primeira vez em 1993, a narrativa chegou neste ano ao Brasil em uma versão de luxo impressa pela Universo dos Livros.
“Juntos, o relógio de Albert Johnson e o Diário de Michael Berrett apresentam um apoio poderoso para minha crença de que James Maybrick, um homem obcecado com o tempo, foi realmente Jack, o Estripador”
Tudo começa quando Michael Berrett apresenta a Shirley Harrison um manuscrito com mais de 60 páginas contendo relatos arrepiantes que foram assinados por um dos mais famosos serial killers de todos os tempos: Jack, o Estripador. Diante deste elemento, Shirley fez o que qualquer pessoa sensata em seu lugar faria: ela duvidou que o material seja verdadeiro. Mas a curiosidade a corroeu, porque se fosse um documento real, ela estaria em posse de uma considerável relíquia.
“Não houve gritos quando eu cortei. Fiquei mais do que aborrecido quando não consegui arrancar a cabeça. Acho que vou precisar de mais força da próxima vez”
Reunindo vários especialistas de diferentes áreas, Shirley tenta a todo momento se convencer – e convencer o leitor, é claro – de que tanto o diário quanto o relógio de ouro realmente pertenceram a James Maybrick, o homem que ela acredita ser a verdadeira identidade do notório assassino em série.
“Como alguém suspeitaria de que eu seria capaz de tais coisas, afinal não sou, como todos acreditam, um homem compassivo, que foi declarado como alguém que nunca machucaria uma mosca?”
“O homem gentil com pensamentos gentis logo irá atacar de novo”
Apesar de tentar provar a autenticidade do diário e do relógio, o livro também fornece elementos contraditórios à argumentação de Shirley, evidenciando que, mais do que provar que os elementos são verdadeiros, a autora quer expandir a discussão, tornar viva a investigação sobre a real história de Jack, o Estripador.
“Ficarei calmo e não mostrarei interesse no meu ato, mas se alguém o mencionar, eu darei risadas por dentro, oh, como irei rir”
Contendo os pensamentos frios e mordazes do assassino, os manuscritos chocam o leitor pela simplicidade de seu raciocínio. O texto de Shirley, por sua vez, considera os antecedentes que o levaram a cometer os crimes. Assumindo que James Maybrick foi realmente Jack, o Estripador, o leitor vai poder observar que ele escolhia as putas como vítimas por ter descoberto a traição de sua mulher, Florence Maybrick, mais conhecida como Florie.
“Ainda a amo, mas como eu a odeio. Ela destruiu tudo, mas meu coração dói por ela, oh como dói”
Maybrick era um exemplo perfeito de conservador vitoriano e por essa razão, embora ele cometesse os mesmos atos, não admitia ser preterido por outro homem. Quando descobriu a traição da esposa, em vez de confrontá-la, Maybrick preferiu fingir que não sabia de nada – o que pode ser interpretado como covardia – e preparou uma vingança junto ao silêncio de seus sentimentos conflituosos.
“Trouxe um pouco comigo. Está na minha frente. Tenho a intenção de fritar e comer mais tarde ha ha. Só de pensar já abre meu apetite”
Conflito é a palavra que parece resumir James Maybrick, pois ao mesmo tempo que a traição lhe impelia a pensamentos agressivos, também lhe provocava verdadeira excitação. Mesmo com raiva de sua mulher, ele tinha certa tendência ao voyeurismo. Na verdade, ali morava, segundo os psicólogos apontam no livro, o verdadeiro motivo dos crimes: ele sentia prazer devido aos pensamentos agressivos que ele tinha enquanto pensava em sua mulher com outro homem.
“Fiel à moralidade vitoriana, que tinha regras diferentes para homens e mulheres, a própria infidelidade de Maybrick não tinha importância”
Ou seja, Maybrick desejava se vingar da esposa, mas não conseguia simplesmente matá-la – por covardia ou por amá-la – então assume o pseudônimo Jack para punir as putas em seu lugar, já que era assim que ele a via por ser infiel. Esta conduta fica bem acentuada em seu último ataque a Mary Jane Kelly, quando ele escreve na parede do quarto onde o corpo dela foi encontrado as iniciais “FM”, interpretadas como Florence Maybrick, sua esposa. O maior prazer de Maybrick então era se vingar de Florie mais de uma vez.
“Mulheres de vida fácil eram os símbolos da infidelidade de sua esposa”
Apesar dele não atacá-la, em várias passagens ele confessa ter vontade de fazê-lo e chega, inclusive, a bater nela. Mas de alguma forma ele não tenta o assassinato. Todavia, pode-se dizer que Maybrick teve sucesso em se vingar de sua mulher, pois quando ele finalmente faleceu devido às complicações do uso contínuo de arsênico – que segundo ele aumentava sua “virilidade” –, deixou Florie em tão maus lençóis que ela quase foi executada.
“Estou ingerindo arsênico suficiente para matar você. Eu tomo isso de vez em quando porque sinto que me fortalece”
E surpreendentemente, após dar conta da vida de James Maybrick, o livro se volta para sua esposa. Florie, por trair seu marido e viver em uma época de machismo claro e emancipado pela lei, preencheu aos olhos do juiz o perfil de uma perfeita assassina. A acusação se baseou no fato dela administrar arsênico para matar o marido envenenado, contudo James, que fazia uso contínuo do produto e estava de cama com dores severas, exigiu que sua esposa lhe desse o remédio – que continha a substância – para que ele se sentisse melhor.
James Maybrick acreditava que o remédio o aliviaria das dores e explicou isso à esposa que, indo contra as indicações médicas, atendeu ao marido. Um vidrinho com arsênico foi encontrado em seu quarto pelos irmãos de James e ela fazia uso de papel pega-mosca (que contém arsênico) para uso cosmético; estes dois fatores somado à traição foram suficientes para acusá-la de assassinato.
“Aos olhos da era vitoriana, o adultério de uma mulher era o pior crime possível”
Apesar de ter sido condenada à forca, Florie consegue escapar da execução quando o juiz que deferiu a sentença se afastou por motivos de saúde e outro assumiu o caso. Este então percebeu que a situação não era passível de pena de morte e por isso a modificou para prisão perpétua.
“Ela foi mantida na prisão por quinze anos por tentativa de assassinato contra seu marido, um crime pelo qual não tinha sido julgada nem considerada culpada, e cuja pena máxima era de dez anos”
Após várias investigações, fica provado que Maybrick não morreu devido à ingestão de arsênico porque a quantidade encontrada em seu estômago não era suficiente para matar, mas Florence – por ser adúltera – continuava aos olhos do juiz como culpada. Florie ficou presa por quinze anos por um crime que não cometeu e foi solta e inocentada quando mais elementos deram luz ao seu caso, mas o período de prisioneira trouxe verdadeiros danos à sua vida.
“Quem me dará de volta os anos que passei dentro de uma cela; os amigos que me esqueceram; as crianças para quem estou morta; o brilho do sol, os ventos dos céus, minha vida como mulher, e tudo mais que perdi por essa injustiça terrível?”
Florie tinha dois filhos com James, que na época de sua prisão eram crianças. Após os quinze anos, os dois, que foram afastados da mãe devido às acusações de assassinato, jamais souberam de sua existência. Esta foi a verdadeira punição que ela recebeu de Maybrick, mesmo que ele não tenha planejado. Florie, mesmo inocente, foi acusada, condenada e quase executada pelo simples fato de ser mulher.
Além de levantar os diferentes lados arruinados por Jack, o Estripador, o livro traz nas últimas páginas os manuscritos, as fotos, os mapas da época vitoriana e até uma imagem de uma das vítimas. Há também uma foto do relógio que supostamente pertenceu ao serial killer por conter a gravação “Eu sou Jack” e as iniciais de suas vítimas.
“Quando eu terminar minhas ações demoníacas, o próprio diabo irá me congratular”
“Eles não nascem maus. Raramente são considerados loucos […] Uma pequena porcentagem nasce com genes que os tornam naturalmente inclinados ao comportamento antissocial ou agressivo”
Após a leitura, observa-se que mais do que uma história macabra de assassinato, existe uma discussão sobre como o conservadorismo extremo (nesse caso o machismo) pode desencadear complicações psicológicas que transformam um cidadão comum em um serial killer.