Emil Ferris tem sua brilhante estreia com o premiadíssimo quadrinho Minha coisa favorita é Monstro publicada no Brasil pela Companhia das Letras através do selo Quadrinhos na Cia.
Em um cenário devastado no subúrbio da Chicago da década de 60, vive Karen Reyes, uma menininha de 10 anos. Sua paixão é por monstros, o que a fez criar um diário todo desenhado em caneta esferográfica retratando-se como uma “lobswoman” durante toda narrativa.
Com a morte repentina de sua vizinha, Karen toma a responsabilidade de investigação do caso para si, procurando por pistas do assassino, já que não acredita que Anka Silverberg tenha tirado sua própria vida.
Em suas 416 páginas, Emil Ferris percorre entre a presente política de Chicago de 1960 e os passados anos 30 com a ascensão de Hitler, época jovem da senhora Anka. Ambos os tempos com relatos ilustrados em cenas impactantes contendo estupro e pedofilia, além de atos preconceituosos dos mais extravagantes. Tudo escrito da forma de Karen, personagem até muito madura para sua idade, de forma que, mesmo inocente, sabe do que está falando.
A autora revela que o quadrinho teve como inspiração as dificuldades que ela própria passou em sua vida, morando também em Chicago. Sua infância foi estampada nos momentos difíceis passados por Karen, o que fica claro diante do peso dramático que Emil dá à personagem. Com seus olhos sempre esperançosos, Karen em 100% das páginas parece real, uma criança, capturando o público pela sua empatia e astúcia.
“Acho que a diferença é essa…o monstro bom às vezes dá um susto em alguém por causa das presas, da aparência…fica além do controle deles…
…já o monstro ruim só quer saber de controlar…quer que o mundo inteiro fique assustado para que os monstros ruins mandem em tudo…”
Ferris cumpre, com Minha Coisa Favorita é Monstro, as várias funções da arte dentro da sociedade. Com temas além da violência, dá uma aula sobre sexualidade, representatividade e amizade. Cada personagem tem uma essência muito real e, não é porque alguns tem bom coração que está isento de cometer erros graves. Essas falhas aproximam o leitor e provoca a imersão na história.
Os talentos da quadrinista não tem limites, dando um banho de cultura no seu público. A pequena Karen, devido à influência de seu irmão Diego, é apaixonada por pinturas indo diversas vezes ao museu durante sua jornada. Essa é a hora que as ilustrações da obra vão além do perfeito e Emil surpreende recriando quadros de pintores famosos, utilizando apenas suas esferográficas coloridas e brincando com as hachuras.
Emil Ferris é, com certeza, uma das mais brilhantes quadrinistas de todos os tempos. Apesar de toda batalha, persistiu e resistiu. Foi ex escultora de brinquedos em miniatura até ser picada por um mosquito que trouxe a Febre do Nilo Ocidental para sua vida, doença que culminou na perda dos movimentos de suas pernas e mãos aos 40 anos. Com uma grande responsabilidade de criar sua filha, a guerreira Emil não deixou-se cair na tristeza e entrou para o curso de escrita criativa no Instituto de Artes de Chicago, onde desenvolveu o roteiro de Minha coisa favorita é Monstro. Além da história, a artista começou a praticar desenho, o que ajudou no desenvolvimento motor de suas mãos. Suas primeiras 24 páginas foram seu trabalho de conclusão de curso e crucial para o início de uma nova carreira, já que logo encontrou uma editora que publicou seu livro 6 anos depois (2017) quando finalmente foi terminado.
Todo esforço tem sua recompensa e com Emil não foi diferente. A quadrinista recebeu o Prêmio Eisner, maior premiação de quadrinhos, nas categorias de Melhor Autora/artista, Melhor Álbum Gráfico e Melhor Colorista. No início desse ano, ganhou o maior prêmio no Festival de Angoulême na França.