Parasita, capaz de encantar e fazer o coração quase sair pela boca inúmeras vezes em cerca de duas horas de filme. Sem sombra de dúvidas Parasita e Bacurau são filmes que, distantes, se relacionam quando se trata da temática principal: a desigualdade social, Bacurau pela visão dos povos nordestinos e num universo distópico e Parasita olhando mais a fundo nas relações familiares e nas estruturas do próprio cenário através das casas e, principalmente, das escadarias.
O longa-metragem de Bong Joon-Ho define bem os seus atos, principalmente através de uma cena no início, da visão da pequena janela da família de Ki-taek, que soa desconexa, mas é retomada quando a mesma janela retorna no mesmo enquadramento em um dos momentos centrais da história.
O filme trata da história de uma família pobre, a de Ki-taek, que está desempregada e por acaso, o filho adolescente de Ki-taek começa a dar aulas para uma garota de família rica, a família Park. Rapidamente Ki-taek, sua esposa e sua segunda filha veem a oportunidade de se infiltrarem na família Park, derrubando determinados obstáculos e escondendo coisas para alcançarem uma certa vida luxuosa.
Conforme é observado ter rapidamente a noção de que a família pobre é o “dito” parasita, é um raciocínio simples de pouco aprofundamento. A família de Ki-taek durante toda a trama nunca foi retratada como necessitada – embora, fosse de alguma forma – e parasitária. Muitas vezes, quem sempre estava sugando e querendo mais é a família Park, precisando de tudo mastigado para continuar vivendo e aproveitando o que puder. O ângulo que é possível enxergar da família Park é que eles não vivem sem ter alguém que cozinhe, dirija o carro ou ensine arte para o seu filho.
Quanto mais se pensa sobre a obra, mais interessante fica, principalmente quando se trata de uma das cenas-chave da história: a enchente. O momento em que eles, a família de Ki-taek, estão voltando para a casa e a água vai subindo mais e mais até eles chegarem no porão em que moram e se depararem com tudo inundado, naquele momento, eles constatam que o abismo entre eles e a família Park é muito maior do que ter dinheiro, está nas diferenças entre as criações deles e os valores que aprenderam, até mesmo o que gostam de comer no jantar, entre outras coisas. Nesta cena, as escadarias se fazem presentes para deixar tudo mais metafórico do que nunca.
No dia seguinte, a sra. Park comemora ao telefone com alguém que a chuva fez bem para limpar o céu, enquanto está no carro com o Ki-taek, dirigindo, que tinha acabado de perder tudo que tinha.
Porém, uma das melhores reviravoltas da história é o marido da antiga governanta que morava escondido no porão da casa dos Park. Quando descoberto pela família de Ki-taek, no momento em que a governanta (Moon-Gwang) retorna para resgata-lo de alguma forma e afirma ter esquecido dele – dá a entender que ela estava tão imersa na realidade dos Park que esqueceu a própria – , eles começam a disputar os segredos que escondiam dos Park e a posição que ocupavam como os supostos parasitas da trama.
O estopim é o ato do aniversário do filho mais novo da família Park, onde o marido de Moon-Gwang tenta assassinar a família de Ki-taek na festa, tirando a vida da filha mais nova dele, e quando o marido dela é ferido o sr. Park corre para ajuda-lo e faz algo que aparece em outro momento do filme – uma cena em que está perto da família pobre – , ele reclama do cheiro do personagem, como o pobre tivesse um cheiro específico. A reclamação cria entre o marido de Moon-Gwang e Ki-taek uma empatia por serem ambos da mesma classe social e, assim, Ki-taek mata o sr. Park.
O emblemático final está no fato de que Ki-taek se escondeu no porão da casa, a espera de seu filho atingir uma classe social elevada e comprar o imóvel para todos poderem viver lá juntos, notando uma metáfora direta ao fato dos pais esperarem que os filhos tenham uma condição de vida melhor do que eles tiveram. Como um pai que vê o filho ser o primeiro da família a terminar uma graduação.
A definição de parasita é: um organismo que vive de/em outro organismo se alimentando dele e muitas vezes causando algum prejuízo. O cerne da desigualdade social está na classe alta se alimentando da classe baixa que depende do pouco que tem para sobreviver, como a família Park tomava café, almoçava e jantava pelas mãos da família de Ki-taek.