Cidades que afundam em dias normais foi escrito por Aline Valek, escritora e ilustradora mineira-brasiliense, publicada em setembro pela Rocco. A autora já publicou de forma independente Hipersonia crônica (2013), Pequenas tiranias (2015), entre outras obras. Em 2016, a Rocco publicou um de seus romances, As águas-vivas não sabem de si.
A cidade Alto do Oeste, meio do Cerrado, no início do milênio, afundou dentro de um lago. Vinte anos depois, uma seca extrema voltou a revelá-la e ex-moradores voltam ao lugar. Uma antiga moradora, Kênia Lopes, decide captar, através da fotografia, o lugar em ruínas e entender a relação da antiga cidade com os moradores que retornaram.
“As fotografias e depoimentos reunidos nesta exposição são, acima de tudo, um retrato de ruínas impossíveis de reconstruir: uma cidade aos pedaços, relações que se romperam, pessoas que partiram.”
O potencial da arte é o elemento fundamental da perspectiva que é proposta pela história. Na obra, entendemos que o que se perdeu com a cidade foram suas culturas. A cultura é a segunda natureza humana, um pensamento que pode sobreviver ao tempo, mas em Cidades afundam em dias normais percebemos que com a vinda cruel do tempo, o que resta destas culturas é a memória.
“Inútil perguntar qualquer coisa ali, se quem realmente poderia responder não estava mais. Apenas as imagens não eram capazes de explicar o que realmente significava existir naqueles tempos.”
Para nos fazer crer na importância de manter viva uma cultura, o livro introduz uma rejeição de Kênia às explicações que guias davam não só sobre a cidade, mas até do período Paleolítico. Para a fotógrafa, a memória não se equivale a explicação real do que aquilo significou.
É a partir deste momento que a sua jornada entre a memória passa a ter uma busca mais profunda, e suas perguntas aos moradores se mostram cada vez mais investigativas. Assim, em seus primeiros capítulos, a obra se assume como uma investigação da relação que existe entre o tempo e a cultura.
“Os dedos leram na parede as palavras KÊNIA TRAÍRA, riscadas fundo com uma letra dura, que gritava através do tempo.”
Durante seu documentário, Kênia investiga a si mesma e a relação que aquelas memórias lhe proporcionam, além de que, a quem mais proporcionam e por quem foram escritas. Ela divide: o retrato, autor e espectador. Em seguida, mostra como cada um deles é explorado pela fé, ganância ou curiosidade.
São as camadas culturais, criadas pelo tempo, discutidas no livro que tornam a jornada interessante, apesar da obra parecer pessoal, com o ritmo mais significativo para a autora do que para quem desconhece aquele mundo e está embarcando nele agora, ou seja, o leitor pode sofrer uma dificuldade, justamente por ele estar presente, mas não sendo um ex-morador. Apesar disso, entender o significado da preservação cultural através de outro, é uma experiência única e justifica seu ritmo desigual.