Falar em suspense sem falar sobre crianças seria um devaneio, no que refere à A Maldição da Mansão Bly, segunda temporada da antologia de terror da Netflix. O enredo foi baseado na obra “A Volta do Parafuso”, publicada no século XIX e escrita por Henry James. Ainda, a série conta com a criação e direção de Mike Flanagan, também à frente da primeira temporada, A Maldição da Residência Hill, lançada em 2018.
A trama gira em torno da antiga mansão Bly, localizada no interior da Inglaterra, no final dos anos 80. Nela, residem Miles e Flora, órfãos e sob a responsabilidade de seu tio, Henry Wingrave, que está à procura de uma governanta para cuidar das crianças. Assim, conhece Danielle Clayton, jovem professora americana que se mudou para Europa na expectativa de recomeçar sua vida sem eventuais fantasmas do passado. No entanto, ao iniciar sua jornada na nova profissão, se depara com aparições ainda piores do que aquelas que inicialmente busca fugir.
Nessa linha, ao longo dos episódios, o espectador vai se deparar com o uso reiterado de algumas palavras como “devaneio”, “chave” e “perfeitamente esplêndido” que, num primeiro momento, talvez soem banais. Mas, é justamente a repetição que chama atenção para que certas indagações sejam respondidas, ao longo da narrativa. Bem como tais questionamentos, a surpresa recai sobre a certeza de que sustos nem sempre estão presentes nas produções de suspense ou terror. No caso de A Maldição da Mansão Bly, a grande sacada é como a imaginação de cada um está relacionada com o desenvolvimento da história – aliás, “imaginação” é uma daquelas palavras repetidas, e talvez a que mais seja verossímil ao público.
Assim, alguns elementos como as cenas excessivamente escuras (do figurino aos cenários) fotografia, trilha sonora, jump scares menos previsíveis e a eloquência das crianças fazem parte de como a alteração no psicológico pode influenciar na interpretação da série.
Seria mentira se alguém garantisse que são episódios fluidos e de fácil entendimento. Os quatro primeiros, especialmente, são mais arrastados – embora igualmente importantes para a formação dos personagens – em comparação aos cinco últimos, mas são justamente naqueles iniciais que o público se vê preso ao tentar entender, fazer teorias e amarras pontas – até então – soltas, e sem precisar de sustos para tal. Isso tudo pode ser coroado, inclusive, com algumas cenas de primeiro plano, que praticamente promovem o que mais se aproxima de um diálogo direto com o espectador. E, sinceramente, não existe susto tão impactante quanto essa sensação de pessoalidade causada pela série.
Entretanto, há alguns pontos que podem gerar desconfortos. Um deles é a presença de cinco atores que também protagonizaram A Maldição da Residência Hill, como Victoria Pedretti, atriz que desempenha o papel de Danielle. Muito embora a conjuntura e os personagens sejam distintos da primeira temporada, primeiramente, é inevitável uma leve comparação entre eles. Ainda, um outro fator que pode ser um pouco incômodo é a troca constante do contexto temporal.
Os últimos episódios têm, cada um, focos em personagens específicos, e isso pode prejudicar o entendimento final. Talvez isso tenha sido proposital para que a história não fosse facilmente entregue e o roteiro não fosse previsível, mas essa alternância desequilibrada pode gerar uma sensação de inquietação, até para os que não são tão ansiosos sedentos por desfecho.
Dessa maneira, a preocupação da série não se resume a uma trama corriqueira de suspense, mas sim de amor, ou melhor, a “desromantização” dele. Talvez, o enredo em si seja o menos importante.
O foco foi mostrar como um amor (des)romântico pode acarretar equívocos, sonhos frustrados, vidas estagnadas, arrependimentos e, claro, medos. A dúvida agora é se, para o espectador, essa catarse será tão assustadora quanto a série busca evidenciar.