Imagine um carrossel girando em um parque de diversões. Imaginou? Agora imagine que ao brincar nele, você começa a enxergar além da realidade e coisas impossíveis passam a ser reais e assustadoras… É essa vertigem que o livro provoca no leitor. Aqui há o choque do real com o surreal, mas o tempero — provocado pela palavra do autor — é o que deixa a brincadeira saborosa.
“Os livros têm paciência com os alunos lentos. O resto do mundo não”
Joe Hill já escreveu romances, mas Carrossel Sombrio é um livro de contos. Inclusive, é o nome de um dos treze contos que compõem a obra. O exemplar faz parte do clube de assinatura da TAG Experiências Literárias. Ele chegou em julho trazendo as histórias do King filho que ainda não haviam sido publicadas no Brasil.
Para entender um pouco da construção dos contos, é importante conhecer o seio familiar dos King.
Filho de peixe, peixinho é?
Na casa de Stephen King esse ditado é mais que verdadeiro, é praticado. Lá, sua esposa Tabitha King e seus filhos, Owen King, Kelly Braffet e Joe Hill são escritores. Apenas Naomi King seguiu um caminho diferente como líder religiosa. Ter um pai famoso como King, que é mundialmente conhecido como o escritor mais adaptado pro cinema, pode abrir muitas portas para seus filhos, mas não foi assim que Joseph Hillström King enxergou.
“Quando comecei, fiquei com medo de que as pessoas soubessem que eu era filho de Stephen King, então coloquei uma máscara e fingi ser outra pessoa. Só que as histórias contam a verdade, a verdade verdadeira. Acho que as boas histórias sempre fazem isso”
Já pelo seu nome de autor, Joe Hill provoca indagações nos leitores por querer desassociar seu perfil profissional do pai. Qualquer um que quisesse seguir os mesmos caminhos do pai, iria aproveitar as portas que o nome dele abre. Joe Hill, no entanto, percebeu que se ele colocasse suas obras imaturas – na época – à prova das editoras com o sobrenome King, fatalmente seria publicado, mesmo se os textos não estivessem à altura. Porém, se elas não soubessem que ele era filho do Mestre do Terror, então a aprovação ou negação de seu trabalho seria imparcial.
Joe Hill, antes de se lançar ao mundo da literatura, tinha muita preocupação com a qualidade do seu material e, por isso, desvinculou-se do nome da família. Mas isso foi apenas no início. Depois que descobriu ser bom na arte que seu pai é mestre, ele até escreveu contos com ele.
Carrossel Sombrio e outras histórias traz dois contos escritos em conjunto de Stephen King, mas os outros onze são de autoria individual de Hill.
Joseph e seu estilo literário
Os contos de Joe Hill são longos, de vinte a quarenta páginas em média, e isso pode desestimular o leitor a encarar as histórias, a princípio. Porém, o autor tem um jeito contemporâneo de escrever que acaba envolvendo já nas primeiras palavras. Você vai ficar rendido por Hill, pois ele sabe fazer quem está lendo esquecer que está lendo. Você mergulha na história e a vive por trinta páginas.
Além dessa magia que o autor consegue conjurar, Joe Hill ainda te provoca com situações inusitadas, apresentando-as de maneira singela, mas superpoderosa. Ele não está preocupado em surpreender – no geral – o leitor ao final da leitura, mas sim ir colocando pequenas surpresas ao longo da narrativa.
O estilo literário de Joe Hill surgiu da tentativa dele em escrever romances, por isso seus contos são longos. Ele tinha dificuldade em escrever uma história que fosse o livro inteiro, pois as que escrevia terminavam muito antes, transformando-se em contos.
Após desenvolver seu texto, ele conseguiu escrever romance (Mestre das Chamas é uma prova disso), mas mesmo assim não abandonou as histórias curtas. Então vamos a elas.
Estação Wolverton
O primeiro conto que chama atenção é o terceiro. Estação Wolverton é contado pelo protagonista Saunders, um rico empresário de um café chamado Jimi Coffe (como o Starbucks). Ele se hospeda em um hotel que está sofrendo uma manifestação justamente contra a empresa que ele trabalha e, logo neste comecinho, o leitor pode ver o caráter elitista e inescrupuloso dele. Após uma viagem de trem, em que ele a divide com lobos (isso mesmo, lobos!) vestidos como humanos, ele começa a se sentir desconfortável na presença dos predadores.
O conto brinca com a questão de caça e predador no mundo urbano, colocando a classe proletária como refém dos empresários que fazem o que querem no mundo. Joe Hill condensou na imagem do empresário a figura do homem contemporâneo urbano, que está apenas preocupado com os balanços trimestrais financeiros e pouco se importa se outras pessoas ou a natureza vão sofrer por isso. O importante é que eles continuem por cima.
Não é à toa que o autor coloca lobos, animais, como os predadores de Saunders, porque se as pessoas vivessem em um mundo onde “os mais fortes vencem”, os empresários seriam os primeiros a entrarem nas barrigas dos lobos.
“Por favor, desculpe meu linguajar. O problema da civilidade é que é difícil mantê-la quando se está ganindo de fome”
Ao mesmo tempo, uma cidade povoada por lobos ser propositalmente o pesadelo de Saunders revela o maior medo do empresário: o poder verdadeiro estar nas mãos do povo. Pois, se fosse o caso, ele e pessoais iguais a ele seriam devorados. Uma clara crítica à meritocracia disfuncional do capitalismo.
Fauno
Mais uma vez falando de caça e caçador, porém nesse caso literalmente. Aqui, o leitor vai poder observar o que aconteceria se um adulto oportunista encontrasse um portal para um mundo mágico. Vemos muitas crianças se deslumbrar nas histórias, mas os adultos teriam a mesma reação?
A resposta prova que, diante de um universo diferente do qual está habituado, o ser humano tende a se aproveitar dele para enriquecer, ao mesmo tempo que o destrói. Temos vários exemplos disso na história natural, um deles é o genocídio indígena que ocorreu nas Américas.
Um dos melhores contos do livro.
Tudo que me importa é você
A amizade de homem-máquina já foi explorada em outras histórias, mas aqui Joe Hill aprofunda o tema e, dessa vez, não coloca as máquinas como aniquilador do homem. Logo no início da leitura é possível perceber o que o autor pensa sobre a tecnologia: ele vê que a criação e o uso descontrolado do ser humano vão jogá-lo num mar de superficialidade, que é o verdadeiro apocalipse da humanidade.
“Não é esse o objetivo dos aniversários? Lembrar você de que o medidor está correndo?”
O homem não vai ser destruído por situações cataclísmicas, tampouco vai ser extinto, mas sim vai aniquilar a própria humanidade que os definem quanto indivíduos.
“Talvez não exista palavras para a tristeza”
Isso fica bem retratado na devoção comprada que o pequeno robô tem pela protagonista e na conduta traiçoeira e aproveitadora dela.
Devoluções Atrasadas
O título pode parecer banal, mas a história é bem profunda. Sendo um dos melhores contos que há no livro, Devoluções Atrasadas se foca na maior máquina de viajar no tempo que já existe em nossas mãos: o livro.
Dirigindo um ônibus-biblioteca, o protagonista recebe clientes de outras épocas que esqueceram de devolver os livros quais pegaram emprestados – daí vem o título. Apesar de se assustar com isso, ele identifica uma oportunidade: e se ele desse um livro atual para uma pessoa que jamais teria como lê-lo na sua época de origem?
Brincando com isso, o protagonista vê que as histórias podem transformar o mundo e descobre o verdadeiro poder que está em suas mãos.
Joe Hill provou que é um mestre de histórias como o pai ao desenvolver esse conto. Pois ele conseguiu desfilar no enredo o verdadeiro poder que um livro tem: transformar pessoas.
Outras histórias
Os contos Alta Velocidade e Campo do Medo foram escritos em parceria com Stephen King. O primeiro tem bastante adrenalina e o leitor vai ficar eletrizado ao lê-lo, mas o segundo já explora um pouco mais o medo que o ser humano tem de se perder – e Joe e Stephen exploram todos os meandros que “se perder” significa. Campo do Medo chegou a ser adaptado para uma série da Netflix, mas nunca foi publicado em forma de texto no Brasil até agora.
Além desses dois, um merecido destaque vai para Você está liberado. Ainda mais eletrizante que Alta Velocidade, o conto explora as reações particulares dos passageiros de um avião que vai parar em um espaço aéreo de guerra. O modo como Joe Hill narra esse conto faz o leitor achar que ele está lá sentado em uma das poltronas.
Assinatura TAG
Carrossel Sombrio e outras histórias foi totalmente editado pela TAG Experiências Literárias em parceria com a editora Haper Collins Brasil. Ele faz parte do plano TAG Inéditos que tem o objetivo de trazer para o assinante as histórias que ainda não foram publicadas no Brasil.
Assim como este livro, o assinante vai conhecer em primeira mão as palavras dos autores contemporâneos e navegar por suas histórias antes de todo mundo.
O primeiro detalhe impressionante da TAG é a edição magistral do livro. Carrossel Sombrio veio com uma excelente capa e uma diagramação completamente cuidadosa, que explorou as particularidades de cada conto. Impecável!
O livro vem em uma caixinha decorada que ainda traz um marcador personalizado, uma revista com informações extras sobre o autor e a obra (neste caso contou sobre a família King e o processo literário de Joe Hill), um box protetor do livro (para ele ficar na sua estante protegido da poeira) e um brinde especial, que neste mês foi uma case temática.
É um trabalho encantador que faz o leitor se apaixonar ainda mais por esse universo que é a leitura.
Para conhecer mais sobre os planos da TAG, acesse o site do clube.