Eu tinha por volta de 13 ou 15 anos de idade, não lembro muito bem. Nessa época internet e computador eram coisas raras para pessoas que recebiam salário mínimo, sem falar que era muito difícil ter algo para se divertir além da Globo e SBT com programas do tipo Sábado Animado. A vida era bem menos agitada do que é hoje e algo que eu jamais vou esquecer é como um livro chamado Harry Potter pôde me ajudar a superar um pai (amo muito ele hoje em dia, estamos nos entendo) outrora violento, injusto muitas vezes e capaz de me fazer sentir sem valor.
Muitos costumam falar hoje em dia: “não existe machismo”. Em contra partida todos nós (ou grande parte) já teve experiências com machismo, seja você mulher ou homem. Naquele tempo, eu por ser uma criança era totalmente desacreditada por meu pai, pelo simples fato dele sempre achar que o culpado de tudo era eu. Meu pai contava horrores aos adultos a meu respeito, embora grande parte fosse mentira, as pessoas me olhavam por cima dos ombros. Por ele ser o homem da casa nunca iam acreditar em mim. Lembro-me do dia que apanhei muito, porque meu pai não acreditava que eu ficava durante todos os dias, das 8 da manhã até às 18h na biblioteca da escola. Ele achava que eu usava drogas. Através de uma escola no Rio chamada Republica de El Salvador, tive meu primeiro contato com os livros de Harry Potter, já bem conhecido pelos meus amigos nerds, (principalmente Antonio e Oscar). E quanto a mim? Morador de favela e forte candidato a ocupar Bangu 1 em algum momento da vida, nunca tinha ouvido falar na história do menino órfão.
Peguei aquele livro, com uma capa linda, muito perfeita, com uns desenhos mágicos e me pus a ler. Meus amigos me chamavam para fazer coisas a noite (roubar) e eu dizia “não. Estou lendo”. Passava o dia todo lendo os livros na biblioteca coordenada pelo professor Frazão. Praticamente vivia lá. Como não tinha dinheiro para comprar lanches, eu comia a merenda na escola pela manhã e a tarde. Lendo os livros de Harry Potter procurei fugir um pouco dos problemas familiares, dos problemas da vida que queriam me cercar o tempo todo. Não podia ler em casa, pois meu pai evangélico acreditava que o livro do menino bruxo era “do demônio”. Proibia-me de ver os filmes e de ler os livros.
Lembro-me quando saiu Harry Potter e a Câmara Secreta no cinema. Era o dia do lançamento e eu me senti um agente secreto vendo o filme, pois só matando aula para conseguir ver. Eu e um amigo chamado Luiz fomos ao cinema perto de casa, comprarmos os ingressos (eu obviamente surtado, pois nem o primeiro filme eu vi, apenas tinha lido o livro. Eu não poderia ver o filme em hipótese alguma!). E fui escondido dos meus pais ver o filme. Foi a primeira vez que fui ao cinema e foi mágico, tão mágico quanto a obra de J.K. Rowling.
Quando saiu Harry Potter e a Ordem da Fênix eu esperei o professor chegar na Bienal do Livro com ele em mãos (os livros de Harry Potter a partir da Câmara Secreta eram comprados pelos próprios professores. A prefeitura não repesava dinheiro), eu pedi a ele e implorei que eu fosse o primeiro a ler. Ele deixou e disse “termine em cinco dias”. Eu passava boa parte do meu tempo na escola lendo o livro, terminava um capítulo e ficava pensando “o que vem depois?”. Quando eu levava Harry Potter para ler em casa eu tinha que esconde-lo na mochila, dar um jeito de ir até a casa da minha avó e lá era o tempo que eu tinha para ler fora da escola.
Li praticamente todos deste jeito nos anos seguintes conforme foram sendo lançados, até o Príncipe Mestiço. Nesse meio tempo Antonio já havia me mostrado mais coisas “do capeta” como O Senhor dos Anéis e Magic the Gathering. Enquanto perdi alguns amigos para o tráfico de drogas (muitos morreram), eu estava fazendo “coisas do diabo” como aprender a jogar Pokémon Trading Card Game. A paixão pelo mundo nerd me fez conhecer o site Omelete e posteriormente criar o Cabana do Leitor.