Sempre que vou arrumar meu quarto, me sinto uma exploradora, porque guardo muitas coisas, ás vezes de anos atrás e quando vou fazer aquela faxina acabo as encontrando novamente, revendo, relendo e etc. Foi em uma das minhas bagunças no dia de faxina que acabei encontrando um livro que carrega uma história que pode ser extremamente triste ou extremamente feliz dependendo do olhar do leitor, é uma questão de como você enxerga o mundo.
Dentro de uma sacola com outros livros, encontrei Tristão e Isolda; a pior parte foi lembrar que um amigo me emprestou no ano de 2013 e eu nunca devolvi hahaha e a melhor parte foi sentar na beirada da cama e, desconfortavelmente, começar a ler.
Essa é uma lenda muito antiga cujos registros datam o século VII, mas está ambientada na Idade Média. Histórias da Irlanda (sim, país das fadas e da amada mitologia celta) e da Bretanha, que eram cantadas e transmitidas através de poemas e músicas que oralmente propagavam a cultura do povo. Portanto existem várias versões desse conto e todos acabam sendo adaptações das histórias que eram contadas para os reis por meio de seus trovadores, que acabaram por serem os percursores “autores” de Tristão e Isolda enquanto literatura.
Há muitos anos atrás, um importante cavaleiro e guerreiro da Távola Redonda (sim, aquela criada pelo grande rei Arthur) se apaixonou pela filha do rei da Irlanda, uma princesa descendente das fadas. Mas em meio a guerras, tragédias, problemas pessoais e desafios, o romance praticamente proibido passou por momentos de grande turbulência e dificuldade, registrando um conto tão apaixonante quanto melancólico.
Durante toda a trajetória de Tristão, que esconde sua verdadeira identidade de príncipe, ele se vê obrigado a sacrificar parte de sua vida em nome de propósitos muito maiores, enquanto seu destino é reconfigurado o fazendo encontrar um único resquício de esperança em um submundo mágico por entre as neblinas. Isolda por sua vez, não só entrega o seu coração, como também a sua dignidade, se desfazendo muitas vezes da própria personalidade forte e autêntica se sacrificando pela própria vida e pelo reino. Duas pessoas fortes tentando enfrentar um mundo que apesar de místico, era hostil e não respeitava o amor.
Dentro dessa jornada, são tantas as questões que vagueiam pelas nossas cabeças, afinal, o que um amor verdadeiro é capaz de aguentar e o quão resistente ele pode ser? Por que dói tanto se apaixonar, e a cura para esse sofrimento parece estar em alguém que você não pode ter? … E nem só de amores vive esse romance, mas também de política, sociologia e até mesmo religião, quando a paixão floresce em meio á guerras que parecem não ter fim, injustiças sem conta, crenças e costumes tão diferentes e principalmente em meio à falta de valorização da mulher, quando esta não tinha o direito de escolha, era humilhada e rebaixada por todo e qualquer homem, entregue como um pedaço de terra, uma moeda de troca, um contrato ou objeto.
O livro em sua mais completa reflexão não deixa de abordar temas humanos como as emoções, os problemas e a forma que lidamos com elas. No entanto, a abordagem histórica é de igual importância e está visível até mesmo na construção dos personagens, como Isolda, que se mostra fortemente feminista, uma mulher que tenta lutar para conquistar o seu espaço mesmo com tamanha dificuldade e resistência. Ele aborda sutilmente a invasão dos saxões, as estratégias do rei Arthur, a estrutura, poder e hierarquia de um reino.
Apesar de todo enredo de fantasia, o livro nos faz pensar sobre o mundo e se em algum momento isso poderia ter sido verdade, como alguns historiadores cogitam a hipótese de lendas antigas, como as de Atlântida e a do próprio Rei Arthur terem realmente existido.
O livro que li é de uma versão nacional, escrita por Helena Gomes. Em termos técnicos, poucas vezes a narrativa flui bem, a autora consegue emocionar em determinados momentos, mas em outros ela simplesmente “chuta” a história, que acontece rápido demais. Tem capítulos que ela é detalhista e em outros nem tanto. Acredito que essa parte da leitura incomode aqueles que costumam reparar nas oscilações do escritor, mas isso de modo algum atrapalha a história em si, e tão pouco o seu desenvolvimento. Vale ressaltar que com o desenrolar do que está sendo contado, fica bem melhor. De qualquer forma você pode encontrar muitas versões dessa lenda no espaço literário.
Com um final surpreendente, Tristão e Isolda é capaz de tocar seu coração de uma forma tanto encantadora quanto angustiante. É um romance simples, mas de bom conteúdo e interessante para todos aqueles que gostam de fantasias e lendas antigas.
Revisado por: Bruna Vieira.