Mais uma travessura da ministra. Há alguns dias, educadores, escritores e contistas ficaram chocados com um recente vídeo que ganhou grande repercussão na internet. Nele, Damares Alvez, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, recrimina vários livros infantis que “ensina como ser bruxa”.
A Folha de São Paulo noticiou o ocorrido, trazendo uma fala de Damares dita a uma congregação.
“Isso é livro para crianças, irmãos? Ensina como ser bruxa, a se vestir como bruxa”
Ela ainda completa, debochando e diminuindo a literatura fantástica infantil e revelando, para surpresa de ninguém, que desconhece totalmente a importância dos livros.
“Só tem uma explicação para esse livro estar nas escolas de São Paulo: o governador não conseguiu resolver o problema de trânsito, então está ensinado a fazer vassoura de bruxa”
Além do Manual Prático de Bruxaria, de Malcolm Bird, apontado pela ministra no vídeo, outros livros que abordam principalmente ideologia de gênero e assuntos sobre o folclore europeu, africano e brasileiro também foram caçados por ela. Criaturas mágicas e fantásticas que tanto divertiram e expandiram o imaginário das crianças e adolescentes ao longo tempo estão na mira de Damares, que os considera impróprios e utiliza esses argumentos retrógados e infundados para influenciar pais a restringir as obras aos filhos.
Outro fator prejudicado pela postura da ministra é o folclore brasileiro em geral que, hoje, só é lembrado – se é lembrado – pela data 22 de agosto (Dia do Folclore Brasileiro). A maioria das pessoas frequentaram escolas que contaram histórias sobre o Saci Pererê, Boitatá, Sereia Yara, Cuca e outras seres fantásticos, mas à medida que vão crescendo passaram a ignorar estas fábulas que constituem a literatura infantojuvenil brasileira. A perseguição proposta por Damares só vem a destruir e menosprezar uma parte de nossa cultura qual tanto precisamos preservar para manter nossa identidade quanto país.
A ministra parece ignorar, ou não saber mesmo, que os contos, fábulas e romances infantojunvenis envolvem a habilidade de enriquecer o imaginário destes leitores e expandir sua criatividade. Uma destreza que desenvolve a visão crítica e permite as pessoas enxergarem além do óbvio e extrair o sumo ou o que está escondido por trás dos acontecimentos, palavras e gestos, fazendo-a fugir do senso comum. Uma habilidade que está em falta nos dias de hoje.
É terrível quando pessoas despreparadas assumem o poder e começam a desfilar sua ignorância acerca de um bem fundamental ao ser humano: a educação. E sem esta pequena e bonita palavra que forma o caráter do indivíduo, as pessoas viram meros reprodutores de falácias e preconceitos sem sequer saber que possui um cérebro para refletir sobre isso.
Em tempo de asneiras ganhando vida própria ao nascer da boca não estudada de políticos, as editoras de livros têm feito um excelente trabalho para lembrar ao público a importância de regar a mente com histórias. Elas ensinam princípios éticos, conferem habilidades e enriquecem o vocabulário e conhecimentos gerais.
O trabalho mais recente da editora Intrínseca surge nesse cenário como uma ferramenta de luta. O Labirinto do Fauno, lançado ainda neste mês (julho) é uma adaptação literária do filme de Guilhermo Del Toro em que se discute justamente isso: o poder residente nos contos de fadas e como eles são fundamentais para formar pessoas mais inclusivas, poderosas e empáticas. A obra defende o poder das histórias e o utiliza na trama.
“Sua mãe dizia que os contos de fadas não tinham nenhuma relação com o mundo real, mas Ofélia sabia que tinham. Os contos haviam lhe ensinado tudo sobre o mundo” O Labirinto do Fauno – Intrínseca.
O Labirinto do Fauno, um livro que narra a fábula da princesa Moanna, justamente o conteúdo na mira de Damares, ainda lembra que muitos adultos evitam conversar alguns assuntos com seus filhos por considerarem-nos “pesados” e por não saberem como abordá-los com os pequenos. Isso só ressalta ainda mais a necessidade do livros, contos e fábulas, pois com sua linguagem totalmente elaborada para as crianças, os autores têm como prepará-las para estes assuntos, afinal um dia ela vai crescer e vai precisar de todo conhecimento possível para viver a vida.
“Só os livros abordavam todas as coisas sobre as quais os adultos não queriam conversar: Vida. Morte. O Bem e o Mal. E tudo mais que tinha alguma importância na vida” O Labirinto do Fauno – Intrínseca.
Mas quando estes ensinamentos são negados às crianças, elas crescem carentes de elementos que enriquecem sua mente e acabam não desenvolvendo opinião própria, tornando-se um ser humano medíocre que não sabe discernir a importância das coisas. Tornam-se pessoas vazias e ignorantes como a ministra.
A resenha de O Labirinto do Fauno sairá em breve. Aguarde.
Fonte: Folha de São Paulo.