O instinto de sobrevivência é o mais primal de todo e qualquer ser vivo que habitou e há de habitar esse planeta mesmo diante de um “Extermínio“. Encrustado nas origens mais basais do nosso código genético, todas as nossas ações, inevitavelmente e inconscientemente, atuam na guerra para nos manter vivos, principalmente quando estamos em condições extremas.
E o que é mais extremo do que uma sociedade pós apocalíptica tentando se reconstruir em praticamente total isolamento do restante do mundo? O que acontece quando o homem de fato se transforma o lobo do homem, e o seu maior predador é um humano que perdeu a humanidade? Como lidar com o isolamento total do restante da civilização que deixou países inteiros à própria sorte? Como é viver com a inevitável foice da mortalidade sempre no seu pescoço, numa realidade onde a morte é cotidiana? É possível encontrar propósito, e quem dirá, felicidade numa existência sofrida, caótica e trágica. E por fim, mesmo já sabendo que estamos condenados, ainda vale a pena viver?
São essas questões profundamente existenciais e tão contempladas de uma forma ou de outra durante a nossa história enquanto humanidade que Extermínio: A Evolução tenta responder pelo prisma de uma terra arrasada por um vírus que ao infectar, transforma o hospedeiro num saco de carne sem qualquer autonomia com um só objetivo: sobreviver.

A perda do controle, a sede por sangue, a carnificina animalesca gerada por um ser que antes era racional, junto com o total desamparado de lidar com essa condição completamente modificadora da realidade já é um filme de terror em si. E ao voltar o olhar para dentro dos conflitos interpessoais dos sobreviventes nos deparamos com mais uma camada de horror: a verdade de que a vida não para, independentemente da crise, do fim do mundo, as coisas continuam acontecendo.
A trama de apocalipse zumbi não é nenhuma novidade na cultura pop, mas o que transforma Extermínio: A Evolução no meu filme favorito de 2025 até agora é a forma intimista e profundamente sensível à beleza da tragédia daquela pequena ilha e seus habitantes.
É impossível ignorar a morte batendo à porta todos os dias, e o destino pior do que ela que acomete aqueles que são deixados para trás dos portões fortificados de lá. Por isso, o filme foca bastante em realizar paralelos com a Idade Média e a peste negra. Na realidade, o roteiro é extremamente perspicaz quando compara a situação daquele grupo de sobreviventes com diferentes épocas regadas a conflitos violentos. Como você fica anestesiado com tamanha violência, e de como a sua banalização é imprescindível para sobrevivência. Fica sempre bem claro que existem duas linhas do tempo correntes, a de quem está fora da ilha quarentenada e a de quem ficou para trás.
Sociedades de vigilância e alto controle são um fenômeno natural em tempos de incerteza e principalmente em situações onde toda a fundação da sociedade é completamente destroçada. Dentro delas é comum a manipulação, as decisões arbitrárias e o simbolismo e a tradição enquanto autoridade.
Uma das formas de exercer essa autoridade simbólica é por meio de ritos de passagem, e é dessa forma que conhecemos o protagonista do filme, Spike (Alfie Williams). Um menino de apenas 12 anos que fruto da expectativa e ambição do pai precisa fazer a travessia até o continente – antes do que é comumente esperado dessa tradição – para conseguir matar sua primeira presa humana e fazer a transição de alguém que agora pode verdadeiramente ser levado a sério naquela sociedade.

Se vivemos uma epidemia de filmes que fazem de tudo para entregar as minúcias e as nuances mastigadas para o espectador, subestimando a sua inteligência, “Extermínio” dá uma aula de “Show – Not tell”. São poucos diálogos expositivos, e a construção de mundo está nos detalhes que permeiam a atmosfera sufocante e opressora daquele lugar. O filme dá aulas de como representar o macro e o micro em tela, criando uma dicotomia dilacerante entre os anseios e a esperança tão ingênua da infância do protagonista com a cruel carnificina da realidade em que ele vive.
A narrativa é uma gangorra emocional, ora com cenas sensíveis, delicadas que mostram o melhor do que a humanidade pode oferecer para pouco tempo depois dar um tapa na cara do espectador com uma cena visceralmente cruel em seguida, provando que realmente “o tempo não cura nada”.
CRÍTICA EM VIDEO (não é a mesma do texto).
Visceralidade essa que não está restrita às ótimas e assustadoras cenas de gore mostrando a carnificina generalizada causada pelos infectados, ela também se encontra em cada ação, cada diálogo, cada desdobramento de uma ação inocente das personagens. Sempre achei extremamente inteligente a famosa frase “Life finds a way” (A vida dá um jeito) de Jurassic Park por conseguir colocar em poucas palavras como o lado instintivo da vida, da natureza, vai continuar ocorrendo ao mesmo tempo das subjetividades da vida humana e é exatamente isso que Extermínio retrata.
De um ponto de vista evolutivo, ter um índice de fatalidade muito alto não é uma estratégia eficaz para um parasita. Se todos os seus hospedeiros morrem, o hospedeiro morre com eles e não sobre ninguém para continuar a sua propagação. Os infectados retratam a seleção natural em tela, completamente harmônicos e integrados no seu papel de predadores da fauna local, com diferentes “subespécies” que ocupam diversos nichos ecológicos. A evolução dos seus padrões de comportamento e fisiologia paradoxalmente retratam o caráter animalesco dessa doença ao mesmo tempo que retomam a humanidade passada dos acometidos por ela.

É nessa dicotomia que o clímax da gangorra emocional da narrativa ocorre. Ralph Fiennes como Dr. Kelson, comove e cutuca a ferida aberta e ignorada de que algum dia aquelas pessoas foram (e de certa forma ainda são) seres humanos normais, que viam, riam, tinham anseios, medos, amores. É impossível não ter o coração dilacerado com a sensibilidade que esse personagem trata todos os seres humanos – infectados ou não – de “Memento Mori” pode ser paradoxalmente otimista e trágico ao mesmo tempo. A representação da morte como força motriz dessa terra condenada e como retomada da autonomia – é uma experiência arrebatadora.
Por meio das referências pontuais a uma civilização que não existe mais, Extermínio: Evolução constrói uma colcha de retalhos de uma sociedade em frangalhos. As atuações impecáveis instigam o espectador a ver a beleza na tragédia, a preciosidade e simplicidade da felicidade. Usando os extremos da luta pela sobrevivência pós apocalíptica, o filme indaga sobre o que faz a vida de alguém.
A vida de uma pessoa é uma coleção de momentos bons e ruins. Os momentos bons não necessariamente fazem os ruins doerem menos, mas os ruins não tornam os bons insignificantes.
A poesia da melancolia narrativa aliado ao visual impossível de esquecer já coloca Extermínio como um dos melhores filmes do ano e com certeza no hall dos mais impactantes filmes de zumbi já feitos. Eu espero que todos que assistirem ao filme tenham a mesma experiência arrebatadora que a reles autora que vos escreve teve.




