Muito foi dito e especulado a respeito da versão de Zack Snyder para Liga da Justiça: que se tratava de um mito, uma vez que o cineasta nunca concluiu as filmagens originais; que executivos interferiram diretamente na produção e que aproveitaram a saída de Snyder para fazer o caça-níquel que tanto queriam; que o movimento criado por fãs na web não passava de devaneio e a Warner (estúdio responsável pelo longa) nunca atenderia os anseios dessa minoria – porém barulhenta – parcela do público.
Pois bem… Se passaram quase quatro anos desde o lançamento do filme nos cinemas e podemos dizer que o improvável aconteceu: o famigerado SnyderCut enfim é uma realidade – não como um longa tradicional, mas como uma ferramenta para alavancar as assinaturas do HBO Max, o serviço de streaming da WarnerMedia que não andava muito bem em termos de volume de usuários (principalmente se você o comparar com a concorrência, como Netflix e Disney+).
Mas, independente de qualquer resultado vindo dessa decisão, é inegável a vitória desses fãs que usaram todos os meios possíveis para panfletarem o projeto. Juntamente com o desejo do diretor em querer dar um encerramento digno a sua passagem pelo DCEU, eles são os responsáveis por essa produção ver a luz do dia e isso não só é louvável como abre precedentes (para o bem e para o mal) dentro da indústria do cinema. Quando uma obra é definitivamente concluída? Resgatar tudo o que não deu certo e tentar ressucitar um hype é mesmo válido? Fica aí um tema para público, cineastas e executivos refletirem…
Dito isso, é preciso dizer que sim, esta é uma versão infinitamente melhor que a vista originalmente em 2017, mas também é absurdamente exagerada em aspectos narrativos. Tudo o que se ama (e se odeia) no ‘estilo Snyder de ser’ está ali no seu ápice. Com um bom orçamento e liberdade criativa em mãos, o diretor pôde fazer todas as coisas que queria no original e ir além, esbanjando fanservice a cada nova cena.
A trama em sua essência é a mesma e mostra que, após a morte do Superman, o Lobo da Estepe vem à Terra em busca das Caixas Maternas, que darão o poder do vilão conseguir conquistar o nosso planeta. Sabendo disso, Batman e Mulher-Maravilha partem para formar uma equipe de heróis capaz de enfrentar essa ameaça.
Trocando em miúdos, trata-se da mesma história, só que dessa vez abordada de uma forma grandiloquente e com melhores apresentações de personagens. E nessa questão, os mais favorecidos pela nova versão são o próprio vilão e o herói Ciborgue: Enquanto que o primeiro tem toda uma motivação de redenção junto a seu mestre Darkseid bem orquestrada, o segundo tem seu background muito mais denso do que o original, dando-lhe camadas para o público entender o porquê dele encarar sua nova existência como uma maldição e não uma oportunidade de fazer o bem ao próximo.
É exagero afirmar que Victor é o “coração” do filme, como muitos pregam pela web, mas é possível dizer que aqui o personagem se mostra muito mais pleno ao público, tornando-o mais empático aos olhos do espectador.
O Superman de Henry Cavill também teve sua reentrada levemente modificada. Porém, mesmo que a vibe de luminosidade e esperança do personagem visto no original de 2017 tenha se perdido, essa mais acinzentada e imperfeita condiz com a visão que Snyder tem do herói. Isso sem contar que aqui Kal-El é muito mais um elemento Deus Ex-Machina do que propriamente um personagem importante pra trama, com pouco tempo de tela e sem muito o que fazer, fora espancar o vilão no ato final.
Ah, o uniforme negro? Ele se faz presente, mas sem nenhuma explicação ou motivo aparente… Dá a sensação de que o herói escolheu a peça de roupa, dentre muitas outras que aparecem em seu “closet”, por escolher apenas. É só um fanservice dentre tantos outros.
Enquanto isso, Batman, Diana, Aquaman e Flash permaneceram praticamente os mesmos (com uma tomada de slow motion, sem qualquer benefício à trama, a mais aqui e acolá). Não há nenhum complemento realmente eficaz na jornada desses personagens que justifique uma revisão. Pelo contrário: na versão dos cinemas, é visto que Bruce vem tendo pistas de que há um perigo iminente a caminho ao caçar nas ruas de Gotham um parademônio. Aqui, ele simplesmente segue sua intuição nutrida por sonhos de um futuro apocalíptico.
Já a prolongação de cenas como a luta das amazonas com Lobo da Estepe em Themyscira e o embate de Darkseid contra os deuses antigos no passado são bem-vindas, mostrando com novas tomadas toda a natureza épica que estas tiveram. Mesmo com os efeitos especiais dando uma falhada em alguns momentos, é meio que consenso dizer que Snyder sabe filmar as cenas com a grandiosidade que elas merecem.
A propósito, essa oscilação nos efeitos é perceptível não só nestes momentos citados acima mas em outros também, dando um ar de coisa inacabada em algumas situações – vide a presença ilustre de um herói no epílogo do filme ao lado de um Bruce Wayne que acabou de acordar. O mesmo vale pra trilha sonora: desta vez assinada por Tom Holkenborg, mais conhecido por seu nome artístico Junkie XL, ela varia entre instantes onde eleva o potencial da cena em si e momentos onde simplesmente não se encaixa, gerando às vezes um certo incômodo, como na cena em que Aquaman sai de um bar em direção ao oceano, por exemplo.
Outro ponto que se destaca negativamente é o excesso da câmera lenta. Marca registrada do cineasta, ele a utiliza aqui à beira da exaustão, fazendo com que muitos minutos que temos a mais aqui sejam somente para ficar vislumbrando a técnica em si e só. Na dosagem certa, esse recurso agrega não só na estética como na dramaticidade da história e, ao pesar a mão aqui, Snyder o reduz a uma muleta narrativa.
Entendo também quem questiona o porquê do formato de tela 4:3 usado aqui. Realmente, não há nenhum take ou enquadramento que justifique o uso de tal proporção. Somente a explicação de que parte do longa havia sido capturado por câmeras IMAX simplesmente não cola mas, honestamente, isso não deve ser algo que cause grande estranheza na maior parte do público. Uma vez imerso na trama, é algo que acaba sumindo da cabeça.
Entretanto, nota-se uma evolução no modo como o diretor conduz uma história. Seus filmes normalmente são caóticos, com atos destoantes e desequilibrados entre si, mas o caso é que Liga da Justiça se apresenta mais simétrico, mais harmônico.
Dividido em capítulos, o filme parece mostrar que Snyder, aos poucos, está pegando o jeito de balancear a forma como conta uma história. Se seguir evoluindo assim e já tendo um apuro estético inquestionável, é de se esperar os projetos futuros do diretor com entusiasmo.
Falando em futuro, o filme finaliza com pontas soltas e ideias – muitas delas de gosto duvidoso, é verdade – para possíveis sequências. Não é inteligente neste momento dizer que elas sairão da mente do cineasta. Esta versão tinha tudo para ficar engavetada ali para sempre e, como uma fênix, ressurgiu das cinzas… Então, pode se esperar de tudo. Mas, em todo caso, Zack Snyder encerra sua trilogia no universo cinematográfico da DC, iniciada em Homem de Aço, de forma épica e digna – ao contrário do que foi aquele filme retalhado lançado em 2017.
Havia a necessidade de se ter um filme de 4 horas? Definitivamente não, mas no fim o que se percebe é que, mesmo sendo bancado pelo estúdio para fomentar sua plataforma de streaming, a Liga da Justiça de Zack Snyder não foi feito para a massa: ele é um presente do cineasta para os seus fãs, que acreditaram e enalteceram (muitas vezes até extrapolando o bom senso) sua visão para estes personagens.
É a fórmula do diretor elevada à décima potência, sem o interesse de agradar críticos ou executivos. E era isso que ambos tanto queriam e é isso o que se vê na tela. Tendo isso em mente, a experiência de assistir o tal SnyderCut fica muito mais agradável.