Imagine um grande arquiteto, um que tenha seu nome assinando castelos, pontes, casarões, galerias, museus e muitas outras obras arquitetônicas feitas com muito esmero e seguindo rigidamente seus protocolos e particularidades. Agora pense que, em algo que parece uma tentativa de usurpar ou homenagear seu trabalho, um outro profissional pegue um tijolo de cada uma de suas obras.
Eles são montados pelos melhores construtores, grandes nomes os manuseiam e empilham um sobre o outro, mas, como havia de acontecer, o produto final não é nem um pouco agradável. Afinal de contas, cada parte dessa estrutura foi feita com unidades que não se conversam, não se interligam e foram pensadas para operar dentro de uma lógica de produção própria.
A Mulher na Janela, novo lançamento de Joe Wright pela Netflix, se resume a isso: uma insistentemente tentativa de referenciar Alfred Hitchcock que acaba transpondo para a tela um grande conglomerado de insinuações sem saber construir uma unidade ou narrativa própria.
De fato, essa não é a primeira e nem será a última vez que o diretor inglês é referenciado. Psicose de Gus Van Sant e Rebecca de Ben Weathley, por exemplo, são obras que se propõe, mais ou menos intensamente, a “plagiar” sua filmografia em alguma esfera. Seja a experimentação de copiar plano por plano de um filme ou a readaptação de uma história com recursos modernos, ao contrário do trabalho de Wright, existe uma proposta basilar em sua realização.
Assim sendo, quando o espectador se vê diante dessa colcha de retalhos, a direção quer induzi-lo a reconhecer cada uma de suas referências ao invés de usá-las para movimentar a história. Apoiando toda a articulação cinematográfica em um jogo de câmera que decai sempre para o susto, também falha no desenvolvimento de um tema e flutua entre propostas a partir da necessidade de roteiro e não pela idealização do diretor sobre sua história.
Logo, quando lhe convém, é um suspense clássico que envolve a personagem em uma trama de mentiras como em Disque M Para Matar, mas na catarse de seu terceiro ato, transmuta-se para um slasher gore sem motivação e que só existe pelo ponto de virada. Nessa bagunça que nem consegue olhar para a protagonista no âmago de sua luta contra seus medos e nem especular de fato sobre os coadjuvantes misteriosos que a cercam, é como se tentasse ser Vertigo e Janela Indiscreta, dois dos melhores filmes já feitos, ao mesmo tempo.
O filme todo é uma grande presunção na esperança de conglomerar toda profundidade de um dos maiores formalistas que o cinema já viu em uma única obra. Apenas na esperança de que esses recortes agradarão alguém somente por sua origem, se parece muito com a adoração que a unidade estática do quadrinho ganha quando transposto para tela de um filme. A grande diferença é que, aqui, essa ponte é traçada dentro da mesma mídia.
Pode-se dizer que, ao deliberadamente subir seu nível ao se propor a dialogar com uma das filmografias mais consistentes de Hollywood, o filme não acompanha sua proposta. Sem se parecer nem uma homenagem propriamente dita nem conseguir caminhar com as próprias pernas, A Mulher na Janela termina ficando em um limbo desinteressante de sucessos da locadora vermelha que só se destaca pela sua sinopse e ficha de elenco.