O primeiro longa da diretora Arkasha Stevenson, o terror A Primeira Profecia – protagonizado por Nell Tiger Free, ao lado de Sônia Braga, Bill Nighy, Ralph Ineson e Charles Dance – é uma tentativa de trazer de volta ao cinema a franquia A Profecia (The Omen), que fez grande sucesso dos anos 70, atualizando e reapresentando a história em um novo filme de origem.
Margaret (Tiger Free) é enviada a Roma para prestar serviços à Igreja e lá descobre uma conspiração para realizar o ritual da profecia do nascimento do anticristo. Conhecendo a franquia previamente, já sabemos que a profecia se concretiza, a criança (Damien) irá nascer em algum momento. O desafio do longa é contar uma nova história diferente do plot já conhecido – o nascimento do bebê – mas que ainda assim seja coerente, sem descaracterizar a franquia.
Em 1976, o primeiro filme A Profecia surge no contexto em que dois grandes clássicos do terror acabaram de ser lançados – O Bebê de Rosemary (1968) e O Exorcista (1973). Este primeiro filme busca suas referências nestes clássicos de forma muito direta, na semelhança das cenas e da história do nascimento e crescimento do bebê anticristo, e da história da interferência de figuras da igreja na concretização da profecia. Esta é uma característica que permaneceu em todos os filmes da franquia: a história do nascimento, crescimento e derrota do anticristo no mundo. Em cada uma das obras, Damien está vivo e agindo ao longo dos filmes.
Já em A Primeira Profecia, Damien não está presente. Toda a narrativa se passa antes de seu nascimento, e é exatamente por isso que este filme se diferencia tanto dos outros e, a princípio, pode parecer uma descaracterização da própria franquia. Sendo assim, ao criar uma nova história, um novo cenário e uma nova atmosfera, o longa precisa buscar suas referências em outras obras, desde Madre Joana dos Anjos (1961) até A Freira 2 (2023), pensando também no lançamento futuro de Imaculada (2024), filmes com o enredo em torno de freiras lidando com possessões, entidades e gravidezes.
Stevenson explora de forma espetacular tudo que pode ser extraído dessas novas formas de criar uma atmosfera de terror e suspense. Um exemplo disso é a cena em que Margaret pendura sua roupa na parede, que ao fundo assemelha-se à silhueta de uma freira e eventualmente se transforma em uma durante a cena. Este artifício de construção de tensão já conhecido em O Babadook (2014), e foi muito bem referenciado neste filme.
A temática da freira é explorada aqui não apenas como um elemento visual que causa certo estranhamento, mas também como um símbolo de privações, aprisionamento e culpa, que a protagonista enfrenta durante o filme. A Itália nos anos 70 vivia conflitos políticos, caracterizados pelo embate entre rebeldia e censura, gerando ainda mais tensão no cenário de plano de fundo do filme, que se assemelha ao conflito vivido pela personagem e também cria um motivo para a origem da própria necessidade de realização da profecia.
Depois de quase 40 minutos de filme, em que todo este novo contexto e a forma narrativa estão estabelecidos, a obra começa a explorar os pontos em comum com a franquia e ligar as pontas soltas para que exista coerência na história. Temas como maternidade e gravidez voltam a estar presentes, as mortes “inexplicáveis” características de A Profecia ganham lugar de destaque no enredo, a trilha sonora marcante e pesada dita o tom do filme, e as cenas das visões que a personagem tem são muito fortes visualmente. Uma ligação direta que existe entre este filme e a obra original, é a recriação da chocante cena de suicido e da fala direcionada para a criança: “É tudo por você!”
A franquia A Profecia costuma fazer referências a filmes de terror do seu tempo. Este novo filme se diferencia dos outros, mas mantém a coerência na história e incorpora características dos filmes de terror atuais.“
Arkasha Stevenson é ousada e corajosa ao criar cenas visualmente simbólicas e marcantes, violentas e explícitas, orquestrando os elementos narrativos que se dispõe e criando assim uma identidade única para o filme. A forma como é filmado, a fotografia, a arte e a direção se encaixam com o enredo coerente e a proposta deste filme, que funciona tanto como origem da franquia quanto como um filme independente.
Apesar de encerrar a história no ponto inicial do filme de 1976, o roteiro deixa algumas pontas soltas e questões em aberto, para a possibilidade da produção de uma sequência. Caso isso aconteça, fica a expectativa para que se mantenha a qualidade e Stevenson na direção do futuro da franquia ou de novas obras de terror.
A Primeira Profecia está em cartaz nos cinemas brasileiros.
Agradecimentos a 20th Century Studios, que convidou o Cabana para ver o filme previamente.