Há filmes que não pedem licença para serem levados a sério — e Anaconda (2025) entende isso desde o início. O novo reboot da franquia não tenta reinventar o cinema, tampouco esconder suas intenções: ele quer entreter, rir de si mesmo e entregar uma experiência divertida, exagerada e consciente do próprio absurdo. E, surpreendentemente, faz tudo isso com competência.
Tenho certa aversão a filmes que começam de forma morna e só engrenam com o avançar da trama. Normalmente, esse tipo de escolha exige paciência do público e, muitas vezes, não compensa. No entanto, com Anaconda, não senti arrependimento algum. Foi exatamente como deveria ser — e que surpresa boa.
O prelúdio do longa não provoca grandes impactos nem desperta curiosidade imediata. As cenas iniciais são discretas, quase “mixurucas”, e não exploram com força o maior atrativo da franquia: o réptil mais famoso da Amazônia, que, apesar de aparecer logo nos primeiros cinco minutos, ainda não empolga. Nesse momento, o pré-conceito começa a se formar, levantando a dúvida inevitável: como conseguiram estragar algo que já tinha potencial para dar errado, mas também para se tornar um blockbuster funcional no cenário atual do cinema?

Tudo muda com a entrada do personagem de Jack Black. Excêntrico na medida certa, bem construído e com um timing cômico impecável, o ator mostra mais uma vez por que é sinônimo de carisma. A partir daí, o filme ganha corpo, ritmo e passa a percorrer um caminho confortável de atenção do espectador. Mérito também da direção de Tom Gormican, que sabe exatamente quando acelerar, quando rir de si mesmo e quando deixar o caos tomar conta.
Não dá para esperar profundidade de um reboot como Anaconda — e isso joga a favor do filme. Ele não tenta ser maior do que é, mas também não entrega qualquer porcaria. Para quem aprecia o clássico roteiro hollywoodiano, recheado de clichês assumidos, a experiência é quase perfeita. Particularmente, vejo esse tipo de produção como uma válvula de escape necessária no entretenimento: filmes despretensiosos, feitos para divertir, ainda têm — e sempre terão — seu espaço.
Convenhamos: obras pretensiosas e excessivamente “fora da caixa” raramente combinam com sequências de franquias como Anaconda. E o filme de 2025 parece entender isso muito bem, ao ponto de transformar essa crítica em parte da narrativa. A produção se assume como uma sátira, flertando com o estilo metalinguístico à la Deadpool, onde o próprio ato de fazer cinema é debatido, ironizado e exposto ao público.

Um grupo de amigos, em plena crise de meia-idade, decide se aventurar em um projeto ambicioso: refazer o filme favorito de sua juventude. Movidos pela nostalgia, eles partem para uma floresta tropical em busca de reviver antigas emoções. O que deveria ser apenas uma experiência divertida rapidamente se transforma em um pesadelo. Além dos desafios naturais da selva, o grupo se depara com criminosos perigosos, fenômenos climáticos extremos e, claro, a ameaça mortal de cobras gigantescas. Entre o caos e o humor, Anaconda propõe uma jornada que mistura aventura, ação e sobrevivência, atualizando a franquia iniciada em 1997.
O contraste entre um roteiro simples e um desenvolvimento narrativo inesperadamente eficiente é um dos grandes acertos do filme. Apesar de ser um reboot blockbuster, Anaconda (2025) encontra formas criativas de unir diálogos fáceis, pensados para arrancar risadas, com uma progressão de história que surpreende. É o que se pode chamar, sem medo, de uma verdadeira “farofa de qualidade”.
Os diálogos de efeito não prejudicam o desempenho do elenco, e nenhum arco secundário soa descartável. Pelo contrário: até mesmo momentos que poderiam ser facilmente ignorados ganham propósito e consciência narrativa, abordando de forma leve temas relevantes. Tudo o que o filme se propõe a desenvolver encontra resolução dentro da história, resultando em um enredo redondo e coeso — algo raro em produções assumidamente despretensiosas.

A influência do modelo Marvel também está presente, especialmente na escolha de atores queridos do público para gerar engajamento imediato. Aqui, essa estratégia funciona de maneira orgânica e divertida, sem parecer forçada. Um acerto comercial e criativo. É assim que se entende o próprio público: com referências próprias e metalinguagem crítica.
A pergunta inevitável surge: há uma representação estereotipada, equivocada ou xenofóbica da Amazônia? Como crítica amazonense — ainda que nascida na capital —, reconheço minha posição delicada ao abordar o tema. Ainda assim, não é possível afirmar categoricamente nem que sim, nem que não.
Retratar a sucuri (ou anaconda) nesse tipo de filme dificilmente será fiel à realidade, já que se trata de uma obra fantasiosa. Outros elementos da ambientação, no entanto, merecem elogios: os rios com formatos serpenteados, as embarcações e até a composição dos personagens brasileiros dialogam bem com a miscigenação característica da região. Dentro da proposta do filme, o resultado é honesto.
E falando em elementos nacionais presentes em Anaconda, Selton Mello merece menção especial. Sua participação é, sem dúvidas, um dos pontos altos do longa. O ator se destaca com naturalidade, entrega humor sem recorrer a estereótipos e estabelece uma química fluida com os demais personagens. Mesmo atuando em outro idioma e em um ambiente diferente de sua zona de conforto, Selton reafirma sua versatilidade e talento — um verdadeiro orgulho nacional.
Quanto ao CGI, não há grandes revoluções, até porque essa não é a proposta. Os efeitos visuais cumprem seu papel dentro do tipo de filme que Anaconda se propõe a ser. Em alguns momentos, os recursos digitais oscilam, mas nunca comprometem a experiência. A estética exagerada e artificial, inclusive, combina com o tom fantasioso e autoconsciente da narrativa. O desenrolar da trama deixa claro que não pretende nos impressionar tecnicamente.





