“Assassinos da Lua das Flores” (Killers of the Flower Moon, 2023), nova obra do grande diretor Martin Scorsese, é um filme que certamente marcará presença na temporada de premiações de 2024.
Nesta adaptação do livro “Assassinos da Lua das Flores: Petróleo, morte e a origem do FBI”, de David Grann, acompanhamos, em tom de mistério e denúncia, o desenrolar da investigação dos assassinatos cometidos contra a tribo Osage, nos Estados Unidos, nos anos 1920.
Scorsese, entrega um filme de 3 horas e 26 minutos de duração e, não surpreendentemente, demonstra um domínio e controle narrativo absoluto em todos os aspectos do filme.
Considero seu melhor filme dessa última década, desde “O Lobo de Wall Street” (2013). Diferente de “O Irlandês” (2019), esta nova obra apresenta um ótimo ritmo em relação a sua longa duração, que nos mantém envolvidos do início ao fim.
A abordagem em tom de denúncia, levanta diversas discussões importantes que giram em torno do enredo do filme. A partir do descobrimento de petróleo nas terras da tribo Osage, se inicia uma exploração “velada”, que potencializada por conflitos culturais e raciais, leva à uma série de mortes, aparentemente inexplicáveis, do povo indígena.
Scorsese demonstra sensibilidade e respeito ao nos contar sobre o incômodo da mudança de estilo de vida dos personagens e sobre a quebra dos costumes e dos valores indígenas. E costura essas questões não apenas pelos grandes momentos, mas em situações mais singelas, como na cena em que o casal, Ernest (Leonardo DiCaprio) e Mollie (Lily Gladstone), se conhecem, em um momento em que Mollie leva as mãos aos ouvidos, incomodada pelo barulho de uma corrida de carros.
O filme trata de crimes reais, de vidas subjugadas e negociadas. William Halle (Robert De Niro), claramente vê os indígenas como um investimento, com casamentos arranjados entre mulheres Osage e homens brancos, em situações de exploração e racismo, onde se discute e se compara até mesmo a cor da pele das crianças geradas pelo casal, como se uma vida, uma cultura, tivesse menos valor que a outra. Ou pior, como se existisse, de fato, um preço pelo extermínio da tribo Osage.
A tensão do filme cresce no terceiro ato, onde acompanhamos de forma mais efetiva a investigação de agentes federais, em momentos que Scorsese faz referência ao estilo noir nas cenas de interrogatório e tribunal.
Destaca-se o elenco impecável do filme. O protagonismo de Leonardo DiCaprio, em um personagem ambíguo. A grandeza de Robert De Niro, com mais uma atuação marcante. E principalmente, Lily Gladstone, que entrega uma atuação sutil e até mesmo intimista, através de seu olhar expressivo, que carrega toda a força do filme.
Em sua maestria em nos guiar pelo filme, a câmera de Scorsese, sempre em movimento, é muito precisa, explorando o espaço e direcionando nosso olhar até as informações narrativas especificas de cada cena. Em vários momentos em que o filme parece se acalmar, surge um corte seco para uma tragédia, a fim de nos lembrar o tempo todo do crime que, de fato, está acontecendo ali. Para além das imagens, o som é um elemento marcante.
A partir dele, Scorsese estrutura uma atmosfera de tensão. A trama ganha densidade com elementos sonoros que nos remetem a cultura indígena. A sonoridade sempre presente, sempre constante, em tom de ameaça, soa como um anúncio de que algo não está certo.
“Assassinos da Lua das Flores” é um filme bonito e maduro, como de se esperar de Martin Scorsese. Na cena final, mais uma demonstração de autoconsciência, um comentário crítico sobre a espetacularização de crimes reais, que na verdade não foram devidamente investigados, e o sentimento de injustiça permanece marcado na história.