Depois de 15 anos, a sequência de Borat finalmente chegou. Dessa vez sendo lançado diretamente no streaming da Amazon, o filme revive a temática de seu predecessor com uma nova roupagem. Ainda focado em explorar o cidadão norte americano padrão, ele atualiza alguns de seus temas esbarrando na modernidade, avanço tecnológico e social e desinformação como um problema viral. Com o constrangimento como sua principal força, Borat 2, ou Fita de Cinema Seguinte de Borat, é facilmente uma das melhores comédias do ano.
O filme narra a volta de Borat (Sacha Baron Cohen) aos Estados Unidos na tentativa de se redimir com o país ao entregar o Ministro da Cultura do Cazaquistão, o chimpanzé Johnny, para o vice-presidente Mike Pence. Como é de se esperar, tudo dá errado e ele acaba envolvendo sua filha em uma tentativa de casamento com o advogado de Donald Trump, Rudy Giuliani. Caótico como sempre, o filme faz questão de usar o humor mais besta é ácido possível para tirar o que há de pior do estadunidense.
Enquanto no primeiro, lançado em 2005, o simpático repórter da TV Cazaquistanesa embarca em uma jornada quase que inocente pelo interior dos EUA, aqui ele encontra um sonho americano completamente diferente. O personagem é colocado no epicentro do retrocesso social dos últimos anos e a pandemia é a cereja do bolo para explorar esse ambiente.
O formato de falso documentário não encontra um caminho na sequência. Ao invés disso, o filme insere a filha de Borat, Tutar (Maria Bakalova), para gerar novas situações e adicionar uma certa dramaticidade na narrativa. Além dessa mudança ocasionar uma transferência de humor, ainda confere uma preocupação maior com a formação de sentido e, mesmo sem mudar a piada, encontra uma nova maneira de entregá-la. Dessa vez, o filme constrói um arco bem mais sólido para as personagens.
Todavia, a proposta continua a mesma: incomodar e testar ao máximo a sociedade mais egocêntrica do planeta. Dá até para dizer que ele é um grande experimento para ver até onde as pessoas embarcam no absurdo. Em diversos momentos, como quando Borat oferece sua filha menor de idade para o médico, compra uma jaula para ela ou pede para a vendedora escrever uma mensagem antissemita no bolo, ele não recebe repulsa e sim incentivo. Um retrato bem fiel de um país que, em prol do interesse financeiro e “liberdade de expressão”, aceita de tudo.
Ainda assim, dá para dizer que, da sua própria e exclusiva maneira, o filme consegue passar uma imagem positiva. As únicas pessoas reais que rebatem de alguma forma o que é estabelecido pelas personagens são parte das minorias mais atacadas. Mesmo sem nenhum crivo para piadas incômodas (que vez ou outra esbarram em problemáticas bem sérias), de algum jeito essa característica consegue dar um ar reconfortante para a narrativa. Isso mostra que, independente do amontoado de besteiras despejado nas falas, existe um discurso bem evidente na obra.
Agora, sobrepondo os dois filmes da “franquia” pode-se reparar algo bem significativo. Enquanto o ideal patriótico ronda ambos, na versão de 2020 parece não haver o mesmo sussurrar de outrora. O radicalismo de uma extrema direita ensandecida pipoca com uma facilidade assustadora e não é preciso mais do que uma faísca para que saudações nazistas surjam nas multidões. Sujeira facilmente vista em como o governo estadunidense se mostra aqui: um antro de desinformação, crendices e ódio contra o diferente.
Borat 2 acerta em cheio quando testa membros do alto escalão político como Giuliani. Revelando sem receio algum o quanto esses poderosos estão apenas a uma oportunidade de distância de abandonar seu ideal pró-família para cometer qualquer imoralidade que esteja ao seu alcance, ele deixa bem claro que um povo é o reflexo de seus governantes e vice-versa.
Por fim, ao retirar o protagonista da sua bolha de preconceito, o filme deixa bem claro que abdica um pouco da comicidade focalizada no absurdo para dar espaço a um pensamento mais humanizado. Da mesma forma que a Turma da Mônica fez com que o Cascão lavasse as mãos, Borat abraça um raciocínio mais progressista em prol de um bem maior. Mesmo assim, ele deixa claro sua personalidade com uma reviravolta espalhafatosa o suficiente para terminar essa segunda odisséia com um final que é, ao mesmo tempo, clássico e reinventado.