Capricho é a palavra que define a nova adaptação em live-action de “Como Treinar o Seu Dragão”. Seja pelas belas e inspiradas composições visuais do filme, cheia de atenção aos detalhes ou pela sensação de que a existência desse filme é um isso – um capricho da produtora – para ganhar dinheiro requentando uma obra consagrada.
Apesar de constantemente me perguntar o porquê da necessidade da adaptação em live-action, tenho que admitir que o filme é um alívio no meio dessa epidemia de live-actions anêmicos, sem substância, insossos e que mais insultam a obra original do que a homenageiam.

É indiscutível que os realizadores deste projeto se esforçaram para fazer o melhor trabalho possível. O tom lúdico e espirituoso do original preenchem todos os cantinhos da tela, um casamento perfeito entre decisões certas e pessoas competentes. Acho importante frisar como as escolhas desse filme (por mais que eu questione a necessidade de existência delas) foram bem feitas.
Com a garantia praticamente certeira do lucro que esse live-action traria, seria bem fácil ter feito um trabalho medíocre e tacanho. Talvez a representação em carne e o osso dessa competência seja exatamente o protagonista, Mason Thames, que encarna o soluço. Chega a ser desconcertante a semelhança dele com o compatriota de animação, e as pequenas nuances na atuação e na construção do personagem fazem você entrar de cabeça na história.

É visível como o elenco inteiro se divertiu muito durante as gravações. A sensação é realmente de que “Como Treinar o Seu Dragão” nos abraça forte e voltamos a infância, como se estivéssemos montando no dragão em sobrevoo sobre a animação original, porém com o olhar de adultos.
Em alguns momentos a fotografia é de cair o queixo, com cenas belíssimas e tomadas que conseguem unir tudo de bom dos efeitos em cgi com a criatividade e o olhar sensível da direção de fotografia. A escolha de manter os dragões estilizados da animação original, e não uma versão mais “realista” (como os dragões de Game of Thrones) provavelmente foi um desafio para equipe de efeitos especiais, que levou a tarefa muito a sério e honrou o manto. Os dragões são cativantes, carismáticos e dominam aquele mundo realista como se fossem de carne e osso. Em nenhum momento há a sensação de “vale da estranheza” que muitas vezes acompanha bichões de CGI.

Na verdade, o filme ser um deleite para os olhos é um dos pontos mais fortes. Visualmente falando, o filme é perfeito. Um ALÍVIO diante de uma vista que muitas vezes sai cansada de ver tanto CGI escrachado e pouco inspirado.
Definitivamente, o live-action de Como Treinar o seu Dragão tem cacife para bater de frente com a máquina de cuspir live-actions da Disney, e deve ser um rival interessante de Stitch. A narrativa acertada, bem fechadinha, o carisma que ecoa do elenco e o show visual com certeza vai encantar e emocionar não só os fans como uma nova geração.
Ainda assim, apesar de tudo isso, de toda essa sensação de quentinho no coração que o filme traz não pude deixar de soltar aquele “é” após sair da sala de cinema. Realmente questiono para onde a indústria está indo e por que vivemos de requentar histórias já contadas – e muito bem contadas, por sinal. (A resposta é a máquina de fazer dinheiro que esses filmes são).

É agridoce a sensação de ver tanta gente talentosa junto fazendo um bom filme, mas que, com toda sinceridade, não precisa existir. Animação não é a versão “café com leite” do cinema, muito pelo contrário. Fazer uma boa animação hoje em dia é desafiador.
Dentre os males do live action, como treinar o seu dragão é o menor. Mais que um arroz com feijão, menos que um banquete.