Angústia… Angústia que atravessa o seu corpo e te toma por inteiro, angústia que te persegue igual a um espírito obsessor, a angústia de saber o peso do que vai acontecer, a angústia de carregar o fardo de saber.
É isso que estampa o rosto do Cardeal Lawrence (Ralph Fiennes) em Conclave, filme que além de mostrar o potencial de caos que se cria quando se reúnem os cardeais do mundo em busca de um novo Pontífice, também se aninhou dentro do meu coração e entrou no hall dos meus filmes favoritos.
A sensação constante de que o perigo: psicológico, físico, espiritual vai adentrando pelas janelas fechadas do Vaticano é praticamente co-protagonista do filme, criando forma corpórea em ações inocentes mas que carregam poderio bélico: o quebrar de um selo, o abrir de uma porta, o preparo de uma refeição, um sorriso que deveria confortar, os votos entrando na urna… Todos juntos formam o exército que luta pelo poder do pontificado.
Com trama política que por si só já é digna de aplausos, o que eleva a história a maestria com certeza é a sensibilidade com que se trata a fé e os conflitos internos inevitáveis de quem a têm.
Não é por nada que o filme foi premiado no Globo de Ouro 2025 na categoria de Melhor Roteiro Original. O roteirista Peter Straughan consegue fazer a trama se desenrolar como uma aranha tecendo uma teia, fio a fio num misto de intrigas, facadas na costas e politicagens dentro da constituição dos sacerdotes. São inúmeras situações que fazem não só os espectadores, mas os próprios cardeais dançarem no fio da navalha que separa o mistério da fé da impotência e desilusão total.
Estrelando a representação da agonia da fé – apesar de tudo, e por causa de tudo – o Cardeal Lawrence, já desiludido com a Igreja enquanto organização, enfrenta a provação de guiar uma votação abritulada a extremo contra-gosto. A sutileza dos debates entre a ala progressista e a ala conservadora da igreja é encabeçada pelo resto do elenco, que entrega em peso atuações brilhantes. Os “líderes de chapa” Cardeal Bellini (Stanley Tucci) e Cardeal Tremblay (John Lithgow) se engalfinham a cada etapa da votação onde qualquer ação que é dada como certa precisa lidar com a consequência da dúvida.
Tudo o que mostrado em Conclave tem seu motivo dos enquadramentos das tomadas as poucas palavras que certos personagens falam e mudam completamente a realidade da corrida pelos votos. E mesmo com uma comunicação tão certeira em escancarar certas feridas da Igreja Católica, o filme convida a entender o poder da dúvida enquanto força motriz do progresso e fortaleza da fé.
A força das eloquentes homilias e demais discursos litúrgicos com certeza vai variar a depender da religiosidade do espectador, mas mesmo assim não perde sua potência. A mensagem final é robusta, poderosa, arrebatadora e inevitavelmente polêmica.
Por mais que o aspecto religioso não te interesse, Conclave é um filme que vale a pena não somente por ter uma excelente trama política, mas por instigar o público a refletir sobre temas latentes na sociedade atual. O longa parece ter sido lançado em um momento auspicioso, com reformas do próprio Vaticano em relação ao sacerdócio e o crescente debate anti-guerra.
Em um mundo onde aparentemente temos que bater palma para Emília Perez e filmes que assumidamente usaram inteligência artificial generativa na sua produção, torço para que a fumaça saia branca, e que Conclave seja premiado no lugar dos hipócritas.
Conclave pode não ser um filme perfeito, mas não deixemos a perfeição como pedra no caminho das coisas boas, principalmente das coisas boas que são urgentes… Eis o mistério da fé.