Se você não está acostumado com narrativas não lineares, prepare-se para uma experiência intensa com “Desconhecidos” (Strange Darling).
O filme já começa com cenas impactantes de perseguição e adrenalina, evocando o visual brutal de “The Texas Chain Saw Massacre” (1974). Logo nos créditos de abertura, fica evidente um diferencial técnico: a produção foi inteiramente filmada em 35mm, conferindo uma textura visual rara no cinema atual e remetendo aos thrillers dos anos 70. O mais curioso é que a direção de fotografia é assinada por Giovanni Ribisi, mais conhecido por sua atuação em “Avatar” e “O Resgate do Soldado Ryan“. Para uma estreia como cinematógrafo, seu trabalho é louvável.

Narrativamente, o filme apresenta um estilo claramente “Tarantiniano“, principalmente no uso da não linearidade para criar um efeito mais convincente, como visto em “Pulp Fiction“. A influência de Tarantino também se percebe nos plot twists inesperados e na atmosfera que remete ao gênero grindhouse, caracterizado por filmes de terror violentos e de estética low-budget.
Além disso, “Strange Darling” traz elementos da tensão psicológica presente nas obras de Hitchcock, como em “Psicose” (1960). Sua ambientação poderia facilmente ser associada também ao estilo dos irmãos Coen. Existe ainda uma sutil referência ao cinema giallo, perceptível no uso do vermelho e azul neon característicos de Dario Argento, bem como na escolha de uma protagonista feminina, um elemento frequente em sua filmografia.
Sobre a estrutura narrativa, o filme é dividido em seis capítulos, o que ajuda a dar coesão à cronologia fragmentada e instiga o espectador a desvendar o enredo. Dependendo da experiência de quem assiste com narrativas cheias de reviravoltas, pode demorar um pouco até perceber que aquilo que é apresentado de uma forma, na verdade, não é bem assim.

Os créditos de abertura também contribuem para manipular nossa percepção, apresentando Willa Fitzgerald como “A Dama” e Kyle Gallner como “O Demônio“, uma escolha inteligentíssima que ganha ainda mais sentido no desfecho. A construção da tensão é constante, seja por meio do silêncio inquietante ou pelo uso do horror psicológico combinado ao slasher. A imprevisibilidade sobre “quem é o quê” faz com que o filme mantenha o espectador na ponta da cadeira.
As atuações são um dos pontos altos do longa. Willa Fitzgerald, conhecida por “Scream“, entrega uma performance cheia de nuances, convincente tanto como vítima quanto como uma personagem com segredos obscuros. Sua atuação é essencial para o impacto narrativo do filme. Kyle Gallner, um rosto frequente no terror moderno e que vai ser lembrado pelos mais “antigos” por seu papel em “Garota Infernal“, também impressiona com uma interpretação intensa e elétrica. A dinâmica entre os dois é fascinante e contribui para o caráter perturbador da trama.

Claro, o filme não é isento de falhas. Em alguns momentos, a previsibilidade toma conta, especialmente em cenas que acontecem exatamente como esperado. Além disso, algumas situações extrapolam os limites da verossimilhança. No entanto, isso faz parte do charme do cinema, que nem sempre precisa seguir regras rígidas da realidade.
Não é surpresa que “Strange Darling” tenha vindo dos mesmos produtores de “Noites Brutais” e “Entrevista com o Demônio”, filmes que também se destacam no terror contemporâneo. Mesmo com um orçamento modesto de 4 milhões de dólares, a produção consegue entregar um visual comparável a clássicos do gênero. Infelizmente, o filme chegou com certo atraso aos cinemas brasileiros, mas vale o ticket para quem busca uma experiência cinematográfica tensa, estilosa e cheia de reviravoltas.