No novo longa “Elementos“, da Disney Pixar, o mundo é composto pelos elementos da natureza Fogo, Água, Terra e Ar. Nesse mundo, conhecemos nossos protagonistas, Faísca e Gota. A família de Faísca possui uma loja que está tendo problemas e é a partir daí que o caminho dos protagonistas se cruza e a aventura começa.
A trama, que lembra muito alguns clássicos como Romeu e Julieta, é uma metáfora muito clara – e muito mesmo, porque o filme faz questão de ficar mencionando-a a cada dois minutos – a um problema social bem recorrente nos últimos tempos: a segregação racial.
A narrativa de Elementos faz uma clara analogia às dificuldades sofridas por imigrantes, representados pela família Luz (do elemento Fogo) que, após uma catástrofe na cidade em que viviam com outras “pessoas Fogo”, se mudam para uma cidade onde os outros elementos vivem num certo nível de paz ilusória, sem se misturar. Ao chegar na nova cidade, a família não é acolhida e não consegue nem sequer alugar uma moradia, e passam a viver a partir do lucro que conseguem de maneira autônoma, com uma loja “feita de pessoas do Fogo para pessoas do Fogo” (o que lembra muito às comunidades de imigrantes nos E.U.A, que vivem isolados ao resto da sociedade).
Esse enredo também lembra muito, se olharmos mais a fundo, o Apartheid (regime de separação racial ocorrido na África do Sul de 1948 a 1994).
Porém, há uma problemática perigosa por trás de tal comparação, que demonstra porque ela é errada: Na história, os personagens podem ficar feridos ou até mesmo morrer ao se encostarem (pegue fogo e água como exemplo; um apaga o outro); diferentemente da vida real, em que não há nenhum motivo lógico que impeça um imigrante racializado e um estadunidense branco, por exemplo, de se amarem.
Relacionar tal perigo a uma união interracial deveria exigir, no mínimo, um cuidado absurdo por parte dos realizadores, que estariam colocando, mesmo que indiretamente, os imigrantes como uma ameaça física.
Entretanto, tal cuidado é inexistente e a produção lida com todos os notáveis desafios biológicos no amor entre o Faísca e Gota usando aquela fórmula clássica disneyzada de que “o amor conserta tudo” e magicamente o risco físico entre eles some, assim como o preconceito de suas famílias, sem mais nem menos. Ou você escolhe fazer um filme infantil em que tudo se resolve com magia ou você faz uma crítica social. Os dois juntos não funcionam.
A nova história da Pixar também não consegue sustentar o conceito de “E se os elementos tivessem vida?” – o filme foca completamente no Fogo e Água e ignora a existência da Terra e do Ar, colocando-os numa cena ou outra só para “marcar presença”.
É uma pena que haja tanto espaço para umas coisas tão bobas e esse conceito acabe ficando de lado, pois ele tem um ótimo potencial que renderia fortes sentimentos caso fosse bem explorado. Podemos citar “Divertidamente” como exemplo positivo disso: Nele, a trama ocorre em volta das emoções Alegria e Tristeza, mas, apesar do grande destaque delas, as outras três emoções também possuem cenas de importância que as deixam marcadas na mente do telespectador – isso não acontece em “Elementos”.
“Elementos” tem um objetivo muito claro de agradar a todos os públicos. Percebemos isso bem claramente por se tratar de uma aventura (para prender a atenção das crianças), que é uma metáfora a um problema social (como um convite aos jovens) e, ainda, nas piadas de duplo sentido, que vêm para divertir os mais adultos.
Entretanto, o filme consegue falhar em agradar aos três públicos. Essa falta de assertividade acabou deixando ele chato para qualquer um. Para as crianças, o filme fica lento demais, sem ação, sem divertimento – além de que muitas coisas propostas são incompreensíveis para a mente infantil, que ainda não tem referências sociais suficientes para entender tudo ali, criando uma espécie de alienação nada agradável – para os jovens e adultos, o filme é muito incoerente; as coisas parecem acontecer muito “do nada” e não há abertura ou tempo necessários para desenvolver tudo que é proposto, abandonando alguns arcos e finalizando outros da forma mais simplória possível.
Assim, “Elementos” mira em três públicos diferentes… e acaba não acertando em nenhum.
Os diálogos são bem clichês e as emoções parecem forçadas em alguns momentos – talvez tenhamos essa sensação por conta da falta de desenvolvimento das histórias e dos personagens; o filme nos apresenta certas situações de uma forma muito rápida, dificultando a conexão emocional, enquanto dá espaço a umas outras situações que acabam por não ter influência nenhuma no plot principal.
O uso do tempo é desequilibrado e péssimo em Elementos – às vezes está tudo tão parado que chega a dar sono e, em outras vezes, parece que tem mil coisas acontecendo ao mesmo tempo.
Os personagens são caracterizados da forma mais humanizada possível em Elementos desde a forma como são desenhados, com membros, cintura, cabelos e até sobrancelhas, até a forma como suas personalidades foram escritas: os personagens têm estrutura e problemas familiares, interesses românticos, amizades, empregos e até mesmo times, como se fossem mesmo seres humanos.
Essa escolha por parte da direção mostra a falta de criatividade por parte da direção, que não consegue sequer imaginar para além dos limites humanos. Além disso, a animação gera uma certa estranheza porque o filme é todo em 3D, com exceção dos personagens de Fogo, que foram feitos em 2D.
Os diálogos são bem clichês e as emoções parecem forçadas em alguns momentos – talvez tenhamos essa sensação por conta da falta de desenvolvimento dos personagens; o filme nos apresenta certas situações de uma forma muito rápida, dificultando a conexão emocional.
O humor do filme é esperto e bem marcante ao fazer piadas com a linguagem que se encaixam no contexto do filme como dizer ao Fogo “Não vá ficar de cabeça quente!” ou insinuar que “pessoas de Água” derramam rios de lágrimas.
Diferentemente da parte visual, a parte auditiva do filme só merece elogios – a trilha sonora de Thomas Newman se encaixa perfeitamente em cada cena. Além disso, a dublagem brasileira é perfeita e completamente capaz de reproduzir as sensações desejadas para cada parte do filme.
A Disney pegou um conceito promissor e o desperdiçou numa história de amor fraca e mal desenvolvida e uma metáfora social controversa.