How to Train Your Dragon 2.
EUA , 2014 – 102 minutos – Animação / Aventura
Direção: Dean DeBlois
Roteiro: Dean DeBlois, Cressida Cowell
Confesso que, ao sentar na poltrona do cinema, fiquei bastante receoso. Medo de Como treinar seu Dragão 2 cair nos mesmos erros de Happy Feet 2, medo da continuação do excelente filme infantil recheado de mensagens importantes e tocantes ser apenas uma continuação visando lucro e não contar uma verdadeira boa história. Mas eu me amedrontei à toa. Soluço e Banguela estão de volta, e o filme desenvolve seus personagens de maneira admirável e empolgante, sem nunca ser piegas, falso ou forçado.
Logo de inicio vemos os personagens consideravelmente mais velhos – o filme se passa cinco anos após o primeiro filme e a cidade e os cidadãos de Berk já adotaram os dragões à sua realidade. Soluço e Banguela estão se aventurando a mapear áreas desconhecidas do reino e – quem sabe – encontrar um novo fúria da noite. Desde o início o filme já traz desdobramentos para soluço na relação com seu pai.
Se no primeiro filme o conflito principal do personagem já envolvia essa relação, agora o filme e seu roteiro, organicamente, dão continuidade aos conflitos envolvendo o pai, soluço e seu papel em sua cidade, nas expectativas do pai e no próprio desejo. É empolgante ver que o roteiro e a direção não poupam essa relação da surdez do pai Stoick para com soluço, sem repetir a postura de ambos os personagem com relação a este conflito. Seria fácil ou ambos retomarem às mesmas posturas do filme anterior, ou Stoick simplesmente ficar diferente de sua personalidade turrona e teimosa.
Ponto positivo pois além de ambos, todos os personagens possuem motivações bem definidas (com exceção talvez de Astrid) – sejam os meninos querendo conquistar Ruffnut ou os mercenários, ou mesmo da ‘daenerys targaryen’ do filme (rs). Em nenhum momento as ações dos personagens soam dissonantes de suas motivações previamente apresentadas, ou surgem descontextualizadas ou inverossímeis. Mesmo quando soluço desobedece o pai num momento que o achamos mais bobo ou imaturo, logo fica claro a força de suas crenças que movem seu comportamento. E também no que concerne às surpresas e reviravoltas da trama, encaixam com organicidade à história, sendo emocionantes nos momentos precisos, sem jamais soarem gratuitas. O longa ainda se mostra desprendido à sacrifícios em nome do amadurecimento e da jornada de seus personagens, por mais que tais momentos possam ser tristes.
Nesse aspecto, o roteiro baseado na série de livros de Cressida Cowell amplia a mitologia dos dragões, trazendo explicações sobre suas naturezas, sobre a maneira como vivem e em sua interação com os humanos – e aqui reside o conflito maior do filme, dando continuidade orgânica ao conflito do filme anterior. E toda a motivação de Soluço e do misterioso domador de dragões se contrapõe às motivações de Drago, o antagonista central da história de maneira interessante: em diversos de seus diálogos, me peguei traçando analogia com os ativismos políticos, tanto de animais quanto de minorias em geral. E a esperança e ética de soluço surgem mais que inspiradoras em tempos tão sombrios quanto os nossos atuais. Uma mensagem de representação às crianças importante. Vale ressaltar também que há vários alívios cômicos na narrativa, e praticamente todos eles funcionam bem, mesmo quando inseridos em meio a uma situação extremamente tensa.
A qualidade da animação, como é de se esperar dada a evolução da tecnologia, está irrepreensível. Belas imagens no mar, no gelo (as geleiras parecem reais, em determinado momento) ou num ambiente mais tropical. Berk surge mais envolta em tons marrons, caracterizando a cidade em madeira, enquanto o lar dos dragões possui cores multicoloridas e animadas. Os cenários do vilão Drago ganham tons opacos, tristes, predominantemente cinza e pretos – assim como nas sequencias clímax de batalha. Há cenas lindas, como a das flechas incandescentes, do amadurecimento de Soluço (quando ele assume que precisa ser um líder, dando um inicio de resolução mítico assumindo os desejos do pai, agora totêmico, simbolicamente, num belo plano contra o sol nascente), ou a batalha entre Stoick e Drago, com os imensos dragões ao fundo. Os dragões, aliás, em diversos momentos ilustram a personalidade daqueles que os adotam, me remetendo diretamente aos Daemos de “a bússola de ouro”.
Apesar de termos majoritarimente cópias dubladas e em 3D, é possível assistir o filme sem o 3D (embora imagino que o recurso funcione bem aqui, já que no primeiro filme fazia excelente uso nas cenas de voo e nessa continuação tais cenas estão sensacionais). Acabei assistindo uma cópia dublada, a dublagem brasileira em animações manda bem, apesar da voz do dublador do protagonista, que soa irritante em diversos momentos por seu tom de voz.
Dando continuidade de maneira espetacular ao filme anterior, Como treinar seu Dragão 2 é mais que uma das melhores animações do ano – é um filme belo e bem executado, um dos melhores filmes do ano.