O ponto mais fascinante de toda a premissa de Jurassic Park, para mim, sempre foi a reiteração e a inegável interação dos dinossauros com o ecossistema atual e a quebra de paradigma que a ressurreição de animais de 65 milhões de anos atrás causaria na sociedade.
“Jurassic World: Recomeço” aborda a banalização do dinossauro no cotidiano humano com maestria. Essa sensação de “fadiga” que as pessoas sentem por esses animais, que, querendo ou não, são um milagre da ciência ao mesmo tempo que não possuem nenhuma autonomia sob a sua existência, adiciona uma importante camada a mais de nuance nas discussões éticas que a franquia sempre abordou.
Recomeço realmente é a palavra que define o filme. Apesar de não ser tão redondinho e não alcançar o nível de perfeição do primeiro, fica nítido o amadurecimento dos realizadores, que conseguiram assimilar bem as críticas recorrentes e fazer uma boa alquimia entre o que sempre deu certo, o velho e o novo.

Sempre achei a expectativa de encontrar dinossauros 100% verossímeis aos achados científicos em Jurassic Park um tanto quanto leviana, considerando a temática latente de que antes de tudo eles são atrações de um parque que visa obter lucros exorbitantes. É exatamente nessa dicotomia entre a ciência como ferramenta transformadora e a ciência escrava do capitalismo selvagem que o filme crava suas garras no hall de grandes blockbusters que funcionam para além do espetáculo, que trazem críticas e reflexões na sutileza.
Apesar de entender e concordar que todos nós queremos ver dinossauros metendo o louco e punindo seus carcereiros humanos pela maldição da sua existência nessas condições insalubres, e que esses filmes são antes de tudo, um espetáculo (algo que sinceramente vinha se perdendo nos longas anteriores da franquia) era bastante óbvio de que os realizadores precisavam colocar o pé no freio e acatar as críticas de como os bichões eram retratados em tela.
As escolhas foram extremamente acertadas nesse quesito, com um equilíbrio bom entre espécies consagradas, espécies novas e espécies completamente porra louca. A inversão do Tyrannosaurus rex de “chefão final” para uma das cenas mais fofas e espirituosas de dinossauros que eu já vi na vida exemplifica muito bem essa alquimia jurássica muito bem acertada.

Nota
A Cabana do Leitor assistiu ao filme Jurassic World: Recomeço a convite da Universal Pictures Brasil.
Mais uma vez, obviamente não espero divulgação científica de uma produção Hollywoodiana, mas há mérito, e ele precisa ser reconhecido, nos esforços de trazer as descobertas mais recentes e reconhecidas para dentro de um filme dessa magnitude. Vários designs dos dinossauros foram revistos, assim como seus comportamentos (mais uma vez destaco o uso do T Rex como elo entre o clássico da franquia e o novo da descoberta científica, na cena em que ele é retratado com o exímio nadador) e a sua integração no ecossistema paleo-moderno.
O roteiro tem a sacada de guiar o espectador por um “passeio no parque dos dinossauros subvertido” quando cria dois núcleos distintos, com personagens que têm objetivos distintos e seguem caminhos distintos possibilitando que os dinossauros e principalmente como eles se organizam no ecossistema tropical atual brilhem em tela. E durante esse passeio, o público tem contato com alguns termos e conceitos científicos importantes, mesmo que de forma simples.

As personagens são o bom arroz com feijão, não há grande exploração e nem grandes arcos de personagem, porém eles funcionam excepcionalmente bem como guias na jornada que o filme vende. Superficiais no sentido de que seguem bem redondinho os arquétipos de filmes de ação, e não superficiais que parecem que mergulhamos de cabeça na profundidade de um pires.
Usei muito a palavra alquimia para descrever “Jurassic World: Recomeço” pois é essa exata sensação que o filme traz. As boas cenas de ação, os dinossauros lagartões comendo gente, os dinossauros realistas tomando antigos templos de civilizações extintas, o brilho no olho da ingenuidade espirituosa do cientista que acredita de todo coração na sua missão, os efeitos especiais que comovem… todos esses ingredientes foram colocados em quantidades precisas para criar essa atmosfera de novo clássico que o filme pretende ser.

O único ingrediente que destoa é o “bichão final”, o dinossauro filhote de cruz credo híbrido de alien xenomorfo e T Rex. Confesso que foi completamente picolé de chuchu, e da forma errada conseguiu transmitir a sensação enfadonha e insossa do público que só clama por mais dinossauros escalafobéticos para servirem de entretenimento.
Não há nenhuma verdadeira sensação de ameaça ou de choque de ver aquela criatura condenada desde o momento da sua concepção a ser uma máquina de matar confinada num grande circo. Foi só “ah, então esse é o bichão “mais e maior” da vez porque finalmente entenderam que já deu de usar o T Rex pra isso, ok”.
Jurassic World: Recomeço diverte, toca, e com certeza vai agradar os fãs da franquia que buscam um ticket de retorno ao parque que tanto amam, e vão encontrar novas atrações que estão em completa simbiose com o clássico.



