Antes de qualquer coisa, é muito complicado fazer a análise neutra de um longa-metragem cujo primeiro corte foi lançado mundialmente quase 4 anos antes. Exatamente por isso, o filme deve ser visto como uma unidade – palavra curiosa ao se tratar desse filme em específico.
O Snyder Cut não deveria ser visto como um filme isolado, até porque seu gênero é exatamente daqueles que unem e concluem – em partes – outras histórias que já acompanhamos anteriormente. No entanto, eis aqui sua maior ironia: para manter sua glória, ele não pode ser associado à sua primeira versão ou sequer aos outros filmes da DC.
Existe uma incômoda verdade sobre a Liga da Justiça de Zack Snyder: esse não é um filme para todos. Aos fãs que fizeram campanha por essa versão, aos amantes dos quadrinhos da DC e aos extremamente aficionados com os filmes recentes que alavancam a cultura geek como um todo… esse é para eles. Um filme feito de um fã para os fãs – e, talvez, essa característica seja simultaneamente o maior acerto e erro da obra.
Zack Snyder produz, escreve, dirige e participa da montagem final desse filme. Essa é a versão do que ele concebeu em sua cabeça. A obra é resultado de um trabalho árduo de inúmeros profissionais, investidores e grupos populares que aclamaram por esse corte. As expectativas estavam altíssimas para compreender a “verdadeira visão” do que nos esperava para a versão cinematográfica do universo da DC Comics.
Esse corte nasce com a pressão de se descolar da grande frustração com a primeira versão. Inteligente que é, Zack Snyder assina a sua marca explicitamente na fotografia do filme. A escolha pelo formato 4:3 (aquele que a tela fica quase quadrada) é exatamente para afirmar isso: “Essa é a minha versão… esse é o meu mundo e como eu o vejo”. Além disso, apesar de a direção de fotografia ser assinada pelo excepcional Fabian Wagner, os tons escuros e sombrios são a cara de Snyder. Muito por conta disso, as cenas de ação se tornam mais bem preenchidas e compostas, fazendo com que a imersão nesse mundo seja ainda mais intensa – boa performance é sempre um ponto extremamente positivo.
Os efeitos especiais aqui são incríveis. Os detalhes na armadura do Lobo da Estepe são de cair o queixo, fazendo jus aos absurdos 70 milhões de dólares gastos praticamente só com pós-produção. Seria injusto dar os créditos a equipe de efeitos especiais somente por um personagem porque é justamente com o auxílio dessa façanha tecnológica que Zack Snyder consegue contar muito do que ele queria – aliado, é claro, de uma impressionante quantidade de material não usado anteriormente.
A versão é indiscutivelmente mais profunda, mas é lógico, o filme tem 4 horas de duração. Em sua construção de roteiro, ele faz mais sentido e nós compreendemos os porquês da história, especialmente por essa versão nos mostrar a história pregressa de Ciborg (Ray Fisher) e Flash (Ezra Miller).
A história de Victor Stone, o Ciborg, gera uma profundidade que ajuda o espectador a simpatizar pelo personagem e sua trama pessoal, porém, não ajuda na conclusão do filme e acaba parecendo um pouco em vão. Já a história de Barry Allen, o Flash, vem a calhar muito positivamente para o filme porque humaniza e dá a redenção que o personagem clama desde sua primeira aparição – além de fundamentar e fortalecer a conclusão do filme. Em aspectos de roteiro, esse é o seu maior acerto. Mas nem tudo são flores para a Liga da Justiça de Zack Snyder.
O dobro de tempo paga a maior pretensão do filme? Bem, eis aqui a maior falha na condução da Liga da Justiça de Zack Snyder. No cinema, existe uma técnica chamada de “exposição”, que consiste em explicar muito claramente a razão de algo ser o que é. O problema é que ele mantém praticamente todas as grandes falhas do primeiro corte e exclui muitos acertos. Falas desnecessárias como “nós não temos medo” da Amazona, o “eu não pertenço a ninguém” da Mulher Maravilha e as INCONTÁVEIS cenas em câmera lenta sem nenhuma função narrativa tornam o filme cansativo em alguns momentos – mas é exatamente esse tipo de fanservice que fará com que fãs vão ao delírio.
Em Liga da Justiça de Zack Snyder, aparecem e reaparecem inúmeras cenas sem nenhuma função narrativa, sendo elas estão somente para representar algum tipo de atitude ou sequer tem uma razão para estar alí – em um determinado ponto, nós perdemos quase 2 minutos apenas para ver o Aquaman (Jason Momoa) pular no oceano… em outra cena, ele só aparece salvar um homem que está em um barco de pesca prestes a afundar. Pelo menos 60 minutos de filme poderiam ser facilmente cortados, sem perder a profundidade que o diretor conseguiu dar ao filme.
O design de som aqui é majestoso. Scott Hecker e Chuck Michael fazem um trabalho primoroso na questão de ambientação sonora do filme. As cenas de ação parecem estar ainda mais bem executadas, com efeitos sonoros que nos fazem emergir em uma guerra de mundo fantástico.
A falha aqui está na escolha de trilha sonora que muitas vezes parece inadequada. Em uma das cenas expositivas que foram comentadas, nós ouvimos a música “Distant Sky” do artista Nick Cave. A música é sobre o luto pessoal do cantor sobre a perda de seu filho, no entanto, é quase desrespeitoso o seu uso aqui somente para expor a tristeza de Lois Lane (Amy Adams) – algo que seria muito mais forte se nós ouvíssemos somente o som da chuva.
O Liga da Justiça de Zack Snyder é um excelente filme e garantia de entretenimento para aqueles que amam o gênero, especialmente aos fãs da DC Comics que tanto quiseram ver essa versão.
Altamente indicado para o amante ou simpatizante do mundo geek. Cinematograficamente, o filme possui erros e acertos que mantém o filme no padrão do gênero, mas bem acima dos outros filmes produzidos para o Universo DC.
Como dito por algumas pessoas, a Liga da Justiça de Zack Snyder é de fato um épico – no entanto, existe uma grande probabilidade desse filme marcar somente para aqueles que já estavam predispostos a amá-lo antes mesmo de seu lançamento.