“Monstro” é um filme finalizado e exibido pela primeira vez em 2018, num festival de cinema, mas seu lançamento oficial só se deu agora em 2021, após as compras de seu direito pela Netflix. O longa é dirigido por Anthony Mandler e roteirizado por Radha Blank, Cole Wiley e Janece Shaffer. É baseado em um livro homônimo publicado em 1999, escrito por Walter Dean Myers.
Aqui, conhecemos a história de Steve Harmon (Kelvin Harrison Jr.), um garoto de 17 anos apaixonado pela sétima arte, estudante de ensino médio e que sonha em se tornar um cineasta. Ele e sua família vivem no bairro do Harlem, em Nova York, e é lá que acontece um assassinato em que Steve se torna um acusado de participação em um homicídio. O filme se passa durante o julgamento do garoto e seu tempo cumprindo prisão, enquanto tenta provar sua inocência para não passar o resto da vida na prisão.
O tema central do longa é complexo, mas grande parte da discussão é baseada no racismo e na presunção de inocência. O personagem de Harrison Jr. é julgado como envolvido em um crime em que ele diz não ter participado, mas sua acusação se dá em torno do absurdo fato dele ser um garoto negro, o que já faz com que certas pessoas previamente o julguem como culpado.
A direção do filme é assinada por Anthony Mandler, que faz sua estreia como diretor de longa metragem. A estrutura pela qual o diretor escolhe contar a história é inusitada para o gênero, trazendo aspectos experimentais para a linguagem do filme – um bom diferencial. O próprio roteiro se utiliza da metalinguagem para falar da estrutura narrativa do cinema, além de fazer discussões sobre a importância de imagens e em como se contar uma história. Isso se soma ao filme quando ele acontece em dois tempos simultâneos: o presente e o passado.
Durante o filme, vemos o que aconteceu e o que está acontecendo. O final do filme é o clímax de ambas perspectivas temporais que conhecemos. No começo, a narrativa que acontece no presente é mais interessante do que a do passado, por ser um pouco previsível, ainda que sirva para criar o sentimento de familiaridade no espectador. No fim, a forma como ambas as narrativas evoluem é muito bem realizada.
A fotografia se utiliza do experimentalismo do filme para mostrar cenas muito bem construídas e compostas com fineza, além de ser acompanhada de uma direção de arte que consegue provocar o ar claustrofóbico que uma prisão tem. Junto disso, a montagem do filme é um dos pontos mais altos do filme quando valoriza todos os silêncios e fragilidades dos atores, o que soma para a narrativa geral de forma brilhante. O trabalho do editor Joe Klotz pode ser considerado brilhante e essencial para o resultado final do filme – sem sua visão, possivelmente o filme não teria o mesmo efeito.
A atuação em “Monster” é um dos principais apoios do longa. O seu protagonista, Kelvin Harrison Jr., é excelente e expõe com fidelidade as vulnerabilidades de um jovem de 17 anos que não se encaixa no ambiente carcerário. Junto dele, os sempre excelentes Jeffrey Wright e Jennifer Hudson interpretam os Harmons, pais do protagonista. A atuação dos dois é primorosa e passam com exatidão o sentimento de impotência. A progressão do drama se dá por, justamente, nós já termos visto o carinho que os pais dão para o filho – e essa é a parte que mais causa emoção no filme.
O longa ainda conta com a presença de Jennifer Ehle, como Maureen, a advogada de defesa de Peter, e Paul Ben-Victor como Anthony Petrocelli, o promotor designado para o caso. As suas participações são muito boas e também somam no mix de emoções que o filme causa. Entre esses dois, Petrocelli merece um destaque por fazer o papel de “vilão” da história ao ser aquele que acusa Peter durante o julgamento. Sua atuação é crucial para que o espectador sinta toda a tensão do filme.
“Monstro” é um filme feito com sensibilidade. Seus temas são pesados e mostram uma faceta extremamente problemática da sociedade contemporânea, apesar de fazer reflexões sobre aspectos de nossos atos. Para quem é pai ou mãe, esse é um filme extremamente sensível.
Definitivamente não é um filme para assistir a qualquer momento, ele pede uma atenção, mas também não passa uma experiência enfadonha ao abordar assuntos tão difíceis – ele faz isso como um bom filme comercial deve fazer. Outros filmes já fizeram algo parecido, mas não é por isso que o filme perde seu mérito e, por isso, merece ser assistido quando o espectador estiver em um clima mais apropriado.