Inicialmente, gostaria de pedir licença para escrever esta crítica em primeira pessoa. Não há como falar de outra maneira, se não a partir do lugar em que fui convocada — como uma mulher que existe em nossa sociedade.
“O Escândalo” (“Bombshell”), com a direção de Jay Roach, inspira-se na história real de mulheres que quebraram o silêncio e, por fim, puderam denunciar o assédio sexual cometido pelo ex-CEO da Fox News, Roger Ailes (John Lithgow).
Nesta trama estão Megyn Kelly (Charlize Theron) e Gretchen Carlson (Nicole Kidman), jornalistas da Fox News atropeladas pelo machismo a todo momento — seja por parte de deboches e ofensas proferidos por Donald Trump, então candidato à presidência dos EUA, no caso de Megyn, seja por denunciar comportamentos grotescos de colegas e acabar por ser preterida em seu trabalho, como ocorre a Gretchen. Conhecemos a produtora Kayla (Margot Robbie), que sonha em alçar um lugar importante na Fox News e vê sua oportunidade em uma conversa com Roger.
É após sua demissão que Gretchen decide levar a público a denúncia do assédio sexual cometido por Roger, numa tentativa também de levar outras mulheres que viveram o mesmo a se unirem na denúncia. Suas falas são desacreditadas inclusive por outras mulheres, e vemos grande parte da equipe da Fox News se mobilizando para recuperar a boa imagem de Roger e delegar a Gretchen o estatuto de mentirosa.
Contudo, Megyn decide posicionar-se e se põe à procura de mais possíveis vítimas, tendo ela mesma sido uma vítima de Roger, no início da carreira. É como chega a Kayla, após estranhar as recorrentes visitas da moça à sala de Roger, e nos deparamos com uma das cenas mais fortes do filme: ao ser perguntada sobre um possível assédio, Kayla apenas desata a chorar e pergunta “como você sabe?”. Ao passo em que Megyn responde, sucintamente: “nós reconhecemos umas às outras”.
A produção acerta na maneira como retrata o desconforto vivido pelas mulheres nas cenas em que ocorrem situações de assédio, de maneira que a cena inteira se torna absolutamente desconfortável — sem superexposição e ao mesmo tempo sem amenizar esta violência.
Também destaco um outro detalhe: como são ressaltados os pensamentos das personagens nestas cenas, demonstrando as estratégias inventadas para tentar fugir da situação, ao mesmo tempo o medo e o horror ali presentes.
O trabalho de Charlize Theron e Nicole Kidman estão maravilhosos, mas quem brilha mesmo é Margot Robbie está incrível e preciso destacar a força e a sensibilidade de sua atuação. Sentimos a dor e a vergonha de Kayla simplesmente ao ver o tremor de suas mãos e a paralisia em seus olhos, e choramos junto com ela quando finalmente pode falar sobre o que viveu.
“O Escândalo”, por fim, não se trata apenas de um filme sobre assédio no ambiente de trabalho. É um retrato doloroso sobre como ainda somos levadas, todos os dias, a nos submetermos a situações intoleráveis para nos mantermos no trabalho, construirmos carreiras, ou simplesmente para existirmos. É sobre vergonha, culpa, silêncio. E sobre como se negar a se calar é, sim, um ato de coragem — ainda mais frente ao descrédito com o qual costumamos nos deparar — e que este ato movimenta falas.
Ainda bastante impactada, saí da sala de cinema. “Que filme necessário”, era o que eu pensava, enquanto me preocupava em voltar a respirar. E foi ainda na porta que pude ouvir um dos homens que acompanhou a sessão dizer: “Achei exagerado. Será que aconteceu mesmo?”.
É. Um filme necessário.