O novo épico de Ridley Scott prometeu um longa intrigante em seus trailers e, de fato, entregou um filme impecável do início ao fim.
O filme é baseado no livro de mesmo nome escrito por Eric Jager em 2004 que narra uma história real que aconteceu na França durante o período da Guerra dos Cem Anos. É estrelado por Matt Damon, Ben Affleck, Adam Driver e Jodie Comer, e conta a história do -literalmente- último duelo sancionado na França, que ocorre após uma acusação de estupro.
Vale lembrar antes de tudo que o filme é longo, dividido em três atos e extremamente denso. Cada ato do filme se baseia na visão de cada personagem sobre um período de tempo. Conseguimos ter um ótimo tempo de tela com uma narrativa envolvente sobre cada personagem, como eles enxergam a si e aos outros e isso torna a trama extremamente interessante.
Mesmo todos estando cientes do que acontece no final por ser um marco histórico, o longa se reinventa em sua maneira de contá-lo. Fora sua maneira esplendorosa de situar muito bem cenários, figurinos e cores (sim, cores, na idade média não tínhamos acesso a cores tão vívidas), apesar dos efeitos em computação gráfica um pouco lamentáveis.
No primeiro ato, conhecemos a história de Jean de Carrouges (Matt Damon), vassalo de Conde Pierre d’Alençon. Acompanhamos sua vida através dos primeiros anos de casamento com Marguerite e como ele fez seu nome em Normandia. Tratado como herói por alguns e como tolo por muitos, Jean parece ser um homem teimoso, corajoso e fiel, apesar de extremamente ignorante sobre assuntos que não estejam relacionados à batalha. Gostei muito da postura que o Matt Damon assumiu em todo seu capítulo, o colocando sempre como herói da narrativa e tendo a postura de um.
No segundo ato, é a vez de entendermos o outro lado do duelo, a história do marcante Jacques Le Gris (Adam Driver), o acusado. Sendo o extremo oposto de Jean, Jacques aspira luxúria e é muito perspicaz quando se diz respeito a qualquer assunto, tanto que assume rapidamente como braço direito de Pierre d’Alençon devido a sua inteligência. O olhar que Adam conseguiu atuar sendo Jacques ficou ótimo, fora suas cores antagônicas, apesar de sedutoras. E, óbvio, ele nega até o final ter cometido qualquer atrocidade, alegando ser apenas atraente.
E, é no terceiro ato que temos a verdadeira história, a versão de Marguerite de Carrouges. A versão da mulher, a versão da vítima. É nesse momento que conseguimos notar muitas diferenças dos dois atos anteriores. Marguerite é uma mulher sábia que espera não ser silenciada após ter passado pelo trauma do estupro. Durante sua vida toda, como de costume para mulheres da época, não teve local de fala e, ainda depois disso, tem que aguentar que o que foi feito contra ela não é um crime e sim um crime contra seu marido devido às leis teocêntricas.
Durante o filme, apesar das diferentes versões, conseguimos notar comentários sobre a posição da mulher na sociedade, sobre a lei teocêntrica que regia, sobre afirmações levianas sobre gravidez, entre muitos outros absurdos aceitos na época. Notamos muito isso na personagem principal, que é muito habilidosa, porém não tem momentos para poder demonstrar isso e é cobrada apenas por um herdeiro.
A grandeza desse filme está nos detalhes: um sapato, um olhar, um beijo e uma frase. Cada um enxerga seus atos e a si de maneira diferente (e acabamos desconsiderando o passado dos outros) e o filme foi maravilhoso ao demonstrar isso, sem desmerecer o testemunho de Marguerite, a vítima de toda situação e a que disse a verdade, sempre. Sinto que era um tipo de filme e narrativa que estava fazendo falta no cinema atual, onde você se delicia mais em como a história é contada e não em que fim aquilo se dará.
Vale a reflexão de que, podemos ter alfinetadas para a sociedade atual por mais que se passe durante a guerra dos cem anos… Quantas mulheres são silenciadas atualmente? Há até exemplos na indústria do cinema que podem ter servido de inspiração para algumas falas do filme.
Por fim, excelente execução, direção, fotografia e roteiro. Talvez canse o público com algumas cenas delongadas – afinal é um épico – e ganhe popularidade entre críticos e não entre o povo em si.