“Pobres Criaturas”, obra de 2023 de Yorgos Lanthimos, vem ganhando cada vez mais visibilidade nesta temporada de premiações de 2024. A construção de narrativas excêntricas de Lanthimos, já reconhecida e premiada em “O Lagosta” (2015), “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (2017) e “A Favorita” (2018), está de volta neste filme e se aplica de forma brilhante ao enredo, somada a características visuais marcantes e um elenco impecável: Emma Stone, Willem Dafoe e Mark Ruffalo.
A adaptação do livro “Poor Things” de Alasdair Gray apresenta uma visão única sobre a história de Bella Baxter (Emma Stone). O cientista Godwin Baxter (Willem Dafoe) traz Bella de volta a vida, mas sem as memórias e experiências de sua vida passada.
Afim de redescobrir o mundo com o advogado Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo), Bella segue por uma jornada de transformação, aprendizado e vivências, explorando seus desejos e curiosidades, sem preconceitos e limitações impostas pela sociedade.
Repleto de metáforas e simbolismos, Pobres Criaturas nos remete a “Frankenstein” (obra de Mary Shelley) e levanta discussões sobre condições humanas, instintos, comportamentos sociais e a conflitante relação entre criador e criatura, pai e filho, Deus e homem (mas neste caso, mulher).
A criatura que, a partir de suas vivências e experiências, vai construindo sua visão de mundo, sua humanidade. É curioso o apelido do cientista Godwin Baxter, criador/pai de Bella, “God” (Deus).
E em que implicaria se o monstro de Frankenstein fosse uma mulher? Já representada em diferentes adaptações, a Noiva de Frankenstein surge como um objeto de desejo masculino, a idealização de uma companheira.
Bella Baxter renasce questionadora, curiosa e busca por sua liberdade. Uma personagem cheia de desejos e vontades, sobre o mundo, sexo, prazer e sobre o próprio corpo, e se depara com a hipocrisia social do que é considerado vergonhoso, sujo, escondido.
Ao se relacionar com o mundo, a protagonista é censurada e repreendida em diversas situações abusivas e conflitantes. Em especial, suas relações com os personagens masculinos e as tentativas de modificá-la, censurá-la e castrá-la, por suas vontades sexuais e pelo julgamento de sua falta de instinto materno.
Enquanto o monstro de Frankenstein (homem), a partir de suas vivências, se torna cada vez mais humano, em “Pobres Criaturas”, Bella (mulher) em sua inocência e inexperiência inicial era objeto de desejo, manipulável, “bela, recatada e do lar”, e durante sua jornada, vai se tornando um monstro aos olhos dos homens, insubordinada, conflitante e “puta”.
A estética visual de Pobres Criaturas, com as cores vibrantes que representam a libertação ao longo do filme, em contraponto com o preto e branco enquanto Bella está presa em casa com seu criador, remetem ao clássico “O Mágico de Oz” (1939) acompanhando a jornada de Dorothy e seu retorno à casa.
A direção de arte, figurino e maquiagem caracterizam o universo, enquanto os diferentes ângulos, lentes e movimentos de câmera acentuam a intensidade e estranheza da narrativa construída por Yorgos Lanthimos.
Um grande destaque para Emma Stone que dá vida à personagem, que se transforma ao longo do filme, não apenas pela atuação física, a forma de se movimentar e de falar, mas principalmente pelo olhar de Bella para o mundo ao seu redor. É emocionante acompanhar as nuances da personagem em sua conquista da liberdade que havia perdido em sua vida passada. “Pobres Criaturas” é uma maravilhosa experiência narrativa e visual, excêntrica e única.