Um gênero que podemos dizer que, praticamente, havia desaparecido das telas do cinema nos últimos tempos é aquele que se encaixa os filmes de ação. Muitos desses títulos – geralmente protagonizados por brucutus como Arnold Schwarzenegger, Sylvester Stallone ou Bruce Willis nos anos 80 – são levados atualmente para o mercado digital e home video, fazendo com que esta categoria caia na vala comum… salvo raras exceções. Produções como as franquias John Wick, Jason Bourne e Atômica mostraram que há maneiras de se investir neste tipo de filme com criatividade e dinamismo, mesmo com um mínimo de história.
E Resgate, nova produção da Netflix e estrelada por Chris Hemsworth (Thor Ragnarok), se encaixa perfeitamente neste último: trata-se um excelente filme de ação com tiros e combates quase que incessantes. A trama, baseada na HQ Ciudad (escrita por Joe Russo e Andre Parks), é extremamente simples: Tyler Rake (Hemsworth) é um destemido ex-militar que acaba sendo contratado por um chefe do crime na Índia para resgatar seu filho adolescente, sequestrado pelo seu rival em Bangladesh. Entretanto, algo dá errado no meio da operação e para cumprir a sua missão, o mercenário não poupará esforços para concluí-lo, mesmo que isso signifique que ele gere muitos corpos e destruição.
No quesito roteiro e aprofundamento do drama, não há muito mais o que entregar. Todos os personagens são minimamente apresentados para que eles funcionem dentro desse ambiente e, honestamente, basta. O carro-chefe aqui são as cenas de ação, e nisto Resgate se mostra primoroso graças ao inventivo Sam Hargrave, que estreia na direção de um longa-metragem, e o roteiro dinâmico escrito por Joe Russo (co-diretor de Vingadores: Ultimato). Buscando sempre uma veracidade nos takes, não há receio de mostrar a violência, fazendo com que o expectador sinta o impacto de cada golpe. Sim… Tyler é aquele típico “exército de um homem só”, mas também não passa ileso e apanha bonito de seus oponentes.
Um exemplo claro deste ritmo frenético é uma cena de perseguição, que se localiza no início do segundo ato do filme, onde temos um enorme plano-sequência com seus cortes milimetricamente escondidos. O expectador é jogado no meio da ação, criando um espectro de tensão e adrenalina, sem quase nenhum momento de respiro. A câmera aqui é inquieta e passa a transitar dentro e fora do veículo em fuga, mostrando tudo que está acontecendo ao redor naquele momento. O cuidado em cada detalhe nessas tomadas surpreende e atrai a atenção do público, indiscutivelmente.
Hargrave, famoso em Hollywood por coordenar dublês, foca obviamente naquilo que se tornou sua especialidade, trazendo embates crus e com criatividade, mas surpreende ao se mostrar sensível ao ambientar o cenário com uma fotografia amarelada e claustrofóbica, apresentando Daca – a capital de Bangladesh – com toda a sua discrepância sócio-econômico.
Também vemos Hemsworth fisicamente entregue de corpo e alma ao longa, garantindo versatilidade na hora de entrar em ação. Além disso, o astro apresenta uma nova faceta, que pode ser explora em futuros projetos: Tyler não abre brechas para ser bonachão ou divertido, como a maioria dos personagens que o ator interpretou no cinema são. O mercenário ganha o público pela empatia com seu background e sua conexão com o jovem Ovi (Rudhraksh Jaiswal, que desempenha um bom papel). Se o cinema americano precisar de um novo “brucutu” em suas produções, taí uma boa escolha.
Claro que o filme não passa ileso: sua visão estereotipada dos ‘mocinhos’ (geralmente caucasianos) e bandidos (praticamente toda Daca, com sua população usando roupas gastas e com rostos sujos), o filme deixa passar a oportunidade de explorar com maior realismo a situação social daquele lugar. Não que um filme deste gênero tem que se comportar assim, mas como em alguns momentos o roteiro tenta de certo modo incluir o tema em pauta (mesmo que sutilmente), poderia ter esse cuidado por parte de seus realizadores.
No mais, Resgate pode ser considerado um dos melhores filmes de ação da Netflix. Não que haja um bom parâmetro pra gente comparar ali dentro da plataforma (Esquadrão 6 taí pra provar que pirotecnia demasiada não faz de um filme algo memorável dentro do gênero), mas com seu formato objetivo e com um pouco de engenhosidade na hora de desenrolar as cenas de maior energia, a produção pode sim cativar seu público e não cair no marasmo. Para os amantes deste estilo de filme, é um prato cheio.