Tem-se uma certa popularidade de filmes com a mesma premissa que Tempos de Barbárie. O cinema estadunidense criou ao longo dos anos um compilado de produções com protagonistas bárbaros escondendo seu luto, sendo rabugentos e frequentemente habituados na pele de nomes notórios como Liam Neeson, Jason Statham entre outros.
Todos esses longas convencem o público de ignorar a moral e compreender os motivos que esses personagens tiveram ao cometer atos cruéis com bandidos que os fizeram sofrer sendo a principal causa a morte de um parente. Muitas vezes os espectadores criam empatia por eles, e nesse grande consumo de narrativas do mesmo segmento, essa lógica se torna aceitável aos nossos olhos, e muitas vezes, é inquestionável.
Não acredito que um filme fazer duvidar a moral e a ética de quem assiste seja ruim, esse é um dos efeitos do cinema, mas injetando essa ideia na atualidade e no filme em si, uma das pautas discutidas é justamente as consequências dessas ações e a defesa delas diante de várias camadas sociais em meio a justiça brasileira, e Tempos de Barbárie traz a essa ideia defendendo o direito de matar pela desculpa do sofrimento humano, consequentemente o luto – sendo o porte de armas a discussão central.
Na falta de integração do discurso do porte de armas, entende-se que na verdade o filme fala mais sobre a barbárie que é o desejo de vingança do que discutir sobre classe, economia e raça, coisas que são apenas citadas. É compreensível que a premissa do filme seja outra, mas mesmo nisso a desenvoltura se torna rasa.
Mesmo que esse nicho de filmes de ação naturalmente convença o público que é aceitável esses pensamentos e ações bárbaras, o filme em questão subestima a crença da moral dos espectadores ao apresentar deficiência na elaboração de seus discursos defensivos nos temas apresentados.
O desenrolar da trama defende fortemente as razões de Carla (Cláudia Abreu) em vários momentos, e um deles é nas sessões de apoio coletivas, em que as outras pessoas pareciam seguir em frente após a morte de seus parentes e conviver com o sofrimento sem pensar na vingança. E em uma dessas sessões Carla se vê obrigada a impulsionar essas pessoas a pensar da mesma forma que ela e realizando esse feito. Todo esse desenvolvimento teria sido um ponto forte se não fosse pela bagunça na decisão de qual é a verdadeira premissa do filme.
Racionalidade não é algo em questão. Tempos de Barbárie mostra irresponsabilidade ao tratar com normalidade que as pessoas tenham sede de vingança ao colocar Carla em ação influenciando uma das personagens coadjuvantes, a psicóloga Natalia, a seguir os mesmos ideais da paciente e ajudá-la com o plano de vingar a morte de sua filha e consequentemente satisfazê-la ao encontrar o assassino de seus pais e dar a ela a opção de matá-lo.
Em todo esse ciclo de violência, percebi a necessidade do filme em trazer Carla como a grande vítima ao mostrá-la em seus momentos mais obscuros e aterrorizantes de ódio em suas decisões desviadas pela emoção e razão de vingança, e tentando esconder o fato de que a protagonista tem toda essa facilidade realizando esses atos por ser de classe alta e ser um membro da justiça. Poderia até ser uma ironia, mas de novo, o filme não decide qual é realmente a sua ideia; quanto mais o longa se preocupa em camuflar essa verdade, mais transparente é a problemática social e a insinuação dessas ações serem aceitáveis.
Além de ignorar a razão e o controle de modo imprudente, a trama não consegue atingir o desenvolvimento necessário durante as duas horas e falha ao trazer a maturidade/evolução dos personagens nos seus últimos minutos. Com a sensação de tempo corrido, a superficialidade é notável em todas as “profundidades” que aparecem e isso faz com que todos os tópicos abordados sejam camuflados e então tratados com irresponsabilidade.
Na rapidez que o filme fluiu, nem ao menos envolvem a relação de Carla e o marido, colocando eles apenas na função de coexistir – o marido foi um mero coadjuvante sem momentos importantes e sem desenvolvimento, apenas aparecia para reclamações frequentes e frases de efeito.
Contudo, os maneirismos técnicos acompanhados a esfera expressiva e tocante dos atores são o ápice do filme. A colisão das escolhas entre a mixagem de som e imagem, e a tensão criada pela personagem principal em relação às consequências criaram a atmosfera inclusiva do objetivo de cada cena, com várias brechas em diálogos para deixar no ar o falho sistema judiciário em forma de defesa para as ações e pensamentos violentos da protagonista. Entretanto, isso também não conseguiu contribuir para qualquer mensagem que o filme tentou abordar.
No fim, Tempos de Barbárie é mais uma cópia dos filmes norte-americanos, e mesmo com a premissa ligada ao Brasil, é vaga e um apelo social. Apenas um filme que, apresentando a realidade, visualiza o passe livre existente que determina que pessoas de luto pratiquem qualquer tipo de violência na justificativa de ser a coisa “justa” a se fazer.