Dentre as milhares de características que podem ser atreladas a um filme, o adjetivo “complicado” talvez seja a mais dúbia. Uma obra cinematográfica pode ser considerada como tal tanto quando instiga a audiência com uma narrativa complexa que conecta trama, linguagem e personagens de uma maneira inovadora quanto quando se perde na sua própria mitologia e não entrega para o espectador o nexo que promete. Para a infelicidade de uma legião de fãs ensandecidos, Tenet é um caso agudo do segundo exemplo.
O novo lançamento de Christopher Nolan gera polêmica desde sua distribuição, que começou no meio da pandemia, e com os aspectos ligados a trama ele não é menos alarmante. O filme narra a história de um agente especial que, depois de ser declarado como morto, entra em uma divisão especial do serviço secreto para desmascarar os planos por trás de uma tecnologia que reverte o curso do tempo. “O Protagonista”, como fica conhecido o personagem de John David Washington, acaba envolvido em uma operação que não se prende em amarras temporais.
É certo que o diretor é um dos mais ousados de sua geração. Afundando na ficção científica e em roteiros espalhafatosos, ele sempre cria uma atmosfera recheada de plot twists para enganar e brincar tanto com as personagens quanto com o espectador. Em filmes como Interestelar (2014) isso fica bem localizado dentro uma proposta que, se não for boa, é ao menos corajosa. Todavia, em Tenet, ele perde a mão, extrapola demais a “ciência” por trás da trama e, sempre se explicando muito, acaba deixando de lado a interconexão entre tema e narrativa.
O cineasta investe mais em um cinema que precisa ser entendido do que sentido. Isso fica bem visível na vontade de interconectar todos os pontos do roteiro, nem que para isso sacrifique sentido, ritmo, sentimento e significado. Durante os 150 minutos de filme você é jogado dentro de uma história que não consegue dar sequer um respiro de ambivalência. Nolan parece querer que o público recorra a outros meios para compreender a única alternativa possível do que aconteceu em tela.
Atualmente, uma das coisas que mais prejudica a análise fílmica é a tendência de se criar conteúdos com “final explicado”, essa prática consiste em achatar toda a pluralidade de interpretações em apenas uma única “explicação” absoluta e ele instiga isso. O conceito que movimenta o filme é tão super complicado e retorcido que prejudica a experiência como um todo, transformando-a em um quebra-cabeça massante e exaustivo cuja resposta não consegue ser tão empolgante assim.
Aplicando esse mesmo conceito na montagem e no roteiro, algumas outras obras do diretor trabalham muito melhor com o desdobramento do tempo. Enquanto A Origem (2010) usa da labiríntica mente humana para relativiza-lo, Dunkirk (2017) aposta em diversas marcações para unir três peões de um tabuleiro armado. Infelizmente, Tenet não acha uma maneira convincente de juntar a alternação de fluxo temporal com um propósito menos clichê que salvar o mundo.
Como se isso não bastasse, a personagem de Elizabeth Debicki só é vista como um atraso exclusivamente sentimental estritamente ligado ao plano de fundo familiar. Uma representação possessiva extremamente antiquada que, assim como o filme, parece ter retrocedido no tempo.
A impressão que fica é que tudo é um plano de fundo para o desenrolar mirabolante de um punhado de cenas de ação. De fato, o filme só existe no campo visual em que concilia bem as duas direções que as personagens se movem com uma primazia técnica. A grandeza e eloquência de Christopher Nolan entregam para o fã exatamente o que ele quer, um espetáculo de som e imagem que, mesmo com pouquíssima profundidade, foi feito sob medida para a telona.