Transformar um desenho em live-action sempre é uma tarefa complicadíssima, não é à toa que as adaptações de quadrinhos levaram tanto tempo para finalmente emplacar em Hollywood (estou me referindo à onda que vivemos hoje, não a sucessos isolados como o Superman de Richard Donner, o Batman de Tim Burton ou mesmo a série do Incrível Hulk).
Por que digo isso? Porque os quadrinhos e as animações permitem que seus realizadores extrapolem mais na hora de conceber os personagens como formas caricatas – e isso se perde quando aqueles traços cartunescos são substituídos por atores em carne-e-osso (é justamente por isso, inclusive, que algumas das refilmagens recentes da Disney são vistas com um pouco de desconfiança).
No caso da Turma da Mônica, então, é ainda mais difícil, pois o estilo de Mauricio de Sousa é algo que não só faz parte da autoria do quadrinista como ainda está muito bem fixado na memória de todos os brasileiros. Sim, todos nós que moramos em solo tupiniquim conhecemos Mônica, Cebolinha, Magali, Cascão, Chico Bento, Bidu, Papa-Capim, o Astronauta da maneira exata como o criador os concebeu há décadas atrás.
E a boa notícia é que, na ânsia de transformar a obra do genial Mauricio de Sousa em live-action, a produção de Turma da Mônica: Laços fez questão de entregar o projeto nas mãos de um cineasta que já se provou talentoso: Daniel Rezende, que, depois de construir uma carreira invejável como montador, estreou como diretor no ótimo Bingo: O Rei das Manhãs (que, vale lembrar, representou o Brasil na corrida pelo Oscar de filme estrangeiro no ano retrasado).
Baseado diretamente na graphic novel homônima que Vitor e Lu Cafaggi criaram como parte da coleção Graphic MSP (e que, confesso, não li), Turma da Mônica: Laços gira em torno do sumiço de Floquinho, o cachorro verde de Cebolinha. Quando todos se comovem diante do sofrimento do menino, seus amigos Cascão, Mônica e Magali se oferecem para ajudá-lo na busca. A partir daí, o quarteto parte em direção à floresta proibida e se colocam em risco iminente, já que qualquer ameaça (provavelmente oferecida por um adulto) pode machucar as crianças – e isto, por consequência, leva a população da cidade inteira a ficar preocupada com a turma.
O primeiro acerto do filme consiste em não tentar ancorar a história e o estilo de Mauricio de Sousa em um “realismo” que, convenhamos, soaria cínico e dispensável: para começo de conversa, o roteiro envolve um cachorro verde e uma mulher chamada “Dona Cebola”! Não dá para fingir que isto se passa no mundo real.
Assim, a direção de arte e os figurinos abraçam de vez as cores e as composições exageradas que fazem parte do universo dos quadrinhos, desde os dentes da Mônica até os cinco tufos de cabelo que explicam o motivo de Cebolinha se chamar Cebolinha, passando também pelo guarda-roupa da personagem-título (que conta basicamente com um monte de vestidos vermelhos idênticos), pelas casas que jamais repetem as cores umas das outras e, claro, pelo fato de Floquinho ser realmente verde.
E o mais admirável é que o roteiro de Thiago Dottori e a direção de Daniel Rezende fazem questão de levar a sério até mesmo estas composições caricatas, o que é fundamental para o sucesso do filme, já que tudo aquilo que é mostrado em tela é emocionalmente importante não só para os personagens, mas para o próprio espectador – e isto é reconhecido pela fotografia (carreada de cores quentes, sentimentais e nostálgicas) e pela própria maneira como Rezende filma alguns momentos que são icônicos por natureza (como, por exemplo, o primeiro instante em que vemos Mônica em cena).
Como se não bastasse, a dinâmica entre as crianças é sempre eficiente, deixando claro o quanto aqueles meninos sentem o peso de algo que pode ter magoado alguém e estão dispostos a lutar as causas uns dos outros.
Além disso, é difícil não admirar o desempenho dos quatro atores principais – e dirigir crianças costuma ser um desafio para qualquer cineasta, mas parece que Daniel Rezende deu conta do recado até mesmo nisso: Giulia Benite revela-se uma promessa imediata, já que sabe retratar não só a força sempre notável de Mônica, mas também os sentimentos que, sim, são determinantes para a personagem-título; Kevin Vechiatto vive Cebolinha como um moleque espirituoso e entusiasmado, mas que precisa aprender a conter um ego que frequentemente o leva a tomar decisões erradas; Gabriel Moreira encarna com precisão a lealdade que Cascão tem por seus amigos (e, como não poderia deixar de ser, o medo que sente quando se vê diante de uma única gota de água); e Laura Rauseo garante algumas boas risadas ao interpretar a comilona Magali, que deve aprender a conter sua famosa obsessão por melancias.
Não que o filme seja perfeito: embora se chame Turma da Mônica: Laços, o protagonismo da história é claramente voltado ao Cebolinha, o que, a princípio, me incomodou um pouco – isto sem contar que alguns elementos tradicionais dos quadrinhos (como o fato de Cebolinha sempre trocar o “r” pelo “l” em suas falas) demoraram para me convencer em suas versões live-action.
Em compensação, o grande mérito desta adaptação é respeitar as personalidades de cada um dos integrantes da “turma” em si, que, agora transformados em quatro crianças em carne-e-osso, continuam tão adoráveis quanto aqueles que nos acostumamos a acompanhar – e a gostar – nos quadrinhos.
Turma da Mônica: Laços esta em exibição nos cinemas.
Pedro Guedes gentilmente escreveu a crítica do filme para a Cabana do Leitor, veja o video da sua critica no Youtube: