Se você, leitor, está pensando que apreciará bem aqueles momentos mais marcantes, como a recepção de Carmelita Spats para com os órfãos na Preparatória Prufrock, está sendo “out”; definitivamente, a segunda temporada pode ser resumida como um produto legítimo de binge watching; ou seja, consumo massivo de episódios.
A empresa de streaming ouviu, e digo, com veemência, as reclamações, sobre a primeira temporada, dos que não leram os 13 volumes da saga; desenvolvimento de enredo lento e aquele “carinha”, Lemony Snicket, interrompendo as cenas com seu metalinguismo, o que é algo bem comum na obra.
Com a participação do Sr. Snicket sendo barrada, e o ritmo acelerado dos acontecimentos, é bem difícil ter aquele sentimento, “Deus ex machina”, que temos quando os Baudelaire sobrevivem de alguma perfídia arquitetada pelo seu arqui-inimigo, Conde Olaf.
Em contrapartida do ritmo frenético, e a redução do “Senhor empatador de cenas”, podemos afirmar que os produtores seguiram os ensinamentos de Capitão Andarré e não vacilaram, pois 100% dos incidentes retratados nos livros foram adaptados para a web série; conseguiram encaixar todas as referências, ou seja, nenhuma citação, lema, ou bordão foi deixado no “Arroio Enamorado”.
Como já estamos acostumados com as perfídias, sinto dizer que, apesar da sucessão de fatos, referências, lemas e bordões serem retratados fielmente, nem sempre seguem uma ordem de tempo ou de personagens, cegamente, como nos livros; detalhes como, a sexta consultora financeira da cidade, Esmé Squalor, recepcionando os órfãos de primeira, dificuldade no escalamento do poço de elevador, os Baudelaire procurando os Quagmire nas caixas do Leilão, podem ser suprimidos ou substituídos para um maior aceitamento dos espectadores da série.
A organização secreta C.S.C. ainda é um mistério até para os leitores; personagens já conhecidos nos livros, podem ter suas vidas contadas, e o porque do afastamento e sua posição duvidosa da conhecida cisão, a divisão de voluntários benéficos e maléficos da organização. Alguns elementos criados a partir da série, como o “O livro incompleto das organizações secretas”, ganham mais espaço, assim como voluntários que tentam ajudar os Baudelaire, como Larry, Jacquelyn, e dois personagens novos, sendo um dentre os dois “novos” não tão novos…
Há duas coisas que temos de enfatizar; o slogan da season 2 é real: “this season is so much worse” e, sobre “who can’t be beat? A dead horse!”, pessoa prudente, sugiro atentar-se ao vídeo “é melhor não olhar”, nosso (DESBR), de nove meses atrás, onde Daniel comenta a segunda temporada.
A vida dos Baudelaire segue contada em sua totalidade. Podemos ver Violet mais engenhosa que nunca, elaborando invenções para escapar dos infortúnios que os cercam; Klaus e suas habilidades de leitura e compreensão, e até mesmo Sunny, começa a conquistar seu espaço e encher nossos corações de fofura. Na medida em que a desgraça continua seguindo os Baudelaire, podemos notar um amadurecimento de cada personagem, onde começam a se posicionar de uma forma mais ousada e destemida para encarar as situações e ao Conde Olaf e sua trupe.
Os joguinhos do arqui-inimigo dos irmãos já são bem conhecidos, e as experiências dos horrores do passado criam uma espécie de couraça em volta deles. Suas habilidades prodigiosas serão usadas como nunca para derrubar qualquer investida maléfica que Olaf possa estar tramando. E aí, caros voluntários, veremos uns Baudelaire mais maduros e ousados do que aqueles que vimos da última vez. E seus fiéis companheiros de desgraça, Duncan e Isadora, entram com sua valiosa amizade – e enorme sacrifício.
A vilania parece estar exausta das brincadeiras: Olaf nos mostra seu lado mais sombrio, mal-humorado e um tanto agressivo, fazendo de tudo para chegar ao seu objetivo, a fortuna Baudelaire. E não somente a Vilania, como alguns personagens que tomam contam dos lugares por quais passam. Este é o caso de Esmé, que nos mostra ser uma ditadora da moda para a Avenida Sombria e uma influenciadora que nasceu para fazer o que faz.
Neil Patrick Harris nos entrega um conde Olaf cruelmente zombeteiro e protagonista de cenas recheadas de tensão. Enquanto o vilão perambula entre os corredores da Escola Preparatória Prufrock, somos levados ao suspense máximo do perigo que os irmãos correm no lugar, que já é digno de um filme de terror, com seus cantos escuros e de um cinza que parece anunciar a grande nova tempestade que os Baudelaire terão de enfrentar. E, quando os alvos são finalmente surpreendidos por seu escorregadio predador, temos um dos melhores encerramentos de todos os episódios que já vimos – e o início de um dos grandes momentos da injusta perseguição que virá em seguida. Mas os Baudelaire não serão vencidos tão facilmente, mesmo que o elemento surpresa os entorpeça por tempo suficiente para Olaf ganhar a confiança de todos os que cercam os órfãos – ou quase todos.
E se vocês acharam que a Carmelita Spats não iria tomar conta da escola, estão enganados, bisbórrias! A princesa bailarina sapateadora e veterinária encantada cumpre com o que promete, rouba a cena e traz sua chatice e grosseria de uma menina (não) adorável para conquistar algumas pessoas e repulsar outras. E nos revela, enfim, o que significa seu insulto preferido: bisbórrias.
Não esqueçam, o seu nome é Carmelitaaa! A garota consegue transformar sua doçura em algo insuportável. Entre suas cantorias e seus sapateados, entremeia todo o desdém que tem por aqueles que ganharam sua antipatia. Com isso, Carmelita cresceu nos primeiros episódios e roubou muita atenção para si – e não era o que ela queria? Pois mereceu! Se vocês já provaram daqueles chicletes lindamente coloridos e redondos, mas que revelam um sabor terrivelmente ácido na primeira mordida, tenham certeza de que assim será seu contato com Carmelita Spats. E estejam preparados para uma das cenas mais incrivelmente engraçadas da menina. Temos certeza de que ela proporcionará piadas infinitas entre os maiores fãs de Desventuras em Série, pois eleva a um nível visual o significado de “cakesniffer”.
A série nos entrega diversas informações que podem auxiliar no entendimento de como os voluntários trabalhavam enquanto as vidas dos Baudelaire eram retratadas por Lemony Snicket, nos livros. E há, ainda, diversos easter eggs escondidos ao longo de cada episódio, que somente um voluntário do lado benéfico da cisão poderia identificar. Se você não conseguir enxergar, talvez deva questionar o seu lado da cisão.