Se existe um personagem literário que todo mundo conhece, com certeza é Drácula. Escrito pelo autor irlandês Abraham Stoker, conhecido carinhosamente pelo mundo como Bram Stoker, o romance ícone da literatura gótica foi publicado no final de 2018 pela editora Darkside Books em duas versões: clássica, em que apresenta a capa original do livro, e uma edição toda escura (dark edition) simbolizando uma bíblia vampírica.
Drácula impulsionou muitas iniciativas cinematográficas como Nosferatu (1922), O Vampiro da Noite (1958), Drácula de Bram Stoker (1991) e muitos outros. Mas foi em Drácula (1931) que a imagem popular do famoso Conde se imortalizou através da atuação do ator húngaro Béla Lugosi e assim atraiu muito mais visibilidade ao romance.
Este maravilhoso escritor, que levou sete anos para concluir a obra, desde cedo se envolveu com a arte, tornando-se crítico de teatro e posteriormente indo trabalhar no Lyceum Theatre de Londres, época em que começou a escrever seus romances e a participar da equipe literária do jornal Daily Telegraph. Para criar Drácula, Bram passou anos pesquisando folclores europeus, principalmente as lendas acerca dos vampiros. E embora nunca tivesse visitado a parte oriental europeia, foi o cenário escolhido para sua mais célebre história.
A narrativa se inicia com o diário do protagonista Jonathan Harker, que viaja até o castelo do Conde para tratar de assuntos jurídicos em nome da companhia qual trabalha. Ele, porém, está noivo de Mina Murray e a viagem acaba protelando o casamento. Jonathan registra seus dias como hóspede de Drácula, ao mesmo tempo que descobre que seu anfitrião é um homem excêntrico… muito peculiar.
Bram Stoker utiliza-se do método documental para dar mais veracidade à ficção. Ao mesmo tempo que ele confere sangue aos seus personagens ao criar seus registros – como se fosse prova de suas existências – ele cria subsídios para instalar a pulga atrás da orelha de seus leitores.
O rigor que ele demonstra nas atitudes do Conde em garantir que sua mudança para Londres ocorresse dentro dos trâmites legais somado ao ar documental que seu texto suscita, Stoker age como um jornalista ou um investigador que pretende apresentar fatos para comprovar a existência de vampiros. Não se enganem. O tempo inteiro ele quer convencer o leitor – da sua época – que essas criaturas da noite existem. E talvez os londrinos daquele tempo provavelmente recebeu o livro com mais temor do que os leitores atuais, pois os cenários e algumas organizações listadas no romance existiram – ou ainda existem – de verdade. O leitor, a partir disso, ficaria pensando: “e se isso aconteceu mesmo?”.
Além desse “realismo” que o autor constrói na obra, há alguns destaques interessantes no conteúdo, por exemplo, a belíssima linguagem com a qual ele tece a história, qual o leitor obviamente vai experimentar através da tradução deliciosa de Márcia Heloisa. Outro ponto brilhante é que todos os personagens têm sangue. Eles parecem vivos! O jeito como Bram Stoker criou seus personagens faz o leitor sentir os sentimentos deles, viver através de seus sentidos e pensar através de seus pensamentos. É maravilhoso. É interessante porque ele o coloca (leitor) como sanguessugas, como se se alimentassem do sangue de seus personagens, da vida que pulsa neles.
A trama é de primeira e o leitor a desbrava com prazer, deliciando-se com o fluxo incessantes de palavras, que são disponibilizadas com um excelente trabalho editorial, uma das especialidades muito comentada – e aplaudida – da Darkside. A diagramação do livro aumenta a imersão dos interlocutores e provoca êxtase em certos momentos ao apresentar as mosaicas ilustrações de Samuel Casal. Como se não bastasse tudo isso, ainda tem os extras em que se pode ter acesso a resenhas da época, cartas de amigos escritores elogiando a obra, as anotações do próprio autor, documentos enciclopédicos sobre morcegos-vampiros e também outras curiosidades sobre o livro. Tudo isso envelopado em capa dura, assim o leitor, ao incidir suas presas na obra, já pode sentir a consistência desse romance.
É um livro delicioso em todos os sentidos: textual, editorial e conceitual. Até porque é muito brilhante a analogia que Stoker faz ao colocar os vampiros como um predador da raça humana; como que estas criaturas estivessem no topo da cadeia alimentar.