Melancólico e misterioso, o filme dirigido e roteirizado por Rian Johnson – conhecido por Star Wars: Os últimos Jedi – foi um dos indicados ao prêmio de Melhor Roteiro Original do Oscar 2020. “Entre Facas e Segredos” em um primeiro momento se trata de um filme de mistério acerca da família Thrombey. Ricos, problemáticos e cheio de segredos que podem ser mais perigosos do que imaginam. Um dos pontos mais interessantes do filme é como ele te entrega rapidamente o final da história sem retirar o fator surpresa do espectador.
A trama inicia quando Harlan Thrombey (Christopher Plummer), milionário e escritor de romances criminais, é encontrado morto em seu escritório por Fran (Edi Patterson), a governanta da grande e afastada mansão do personagem. No entanto, toda a família Thrombey havia sido reunida na casa para a comemoração do aniversário de 85 anos de Harlan, na noite anterior ao falecimento dele. Deste momento em diante, toda a família é interrogada pelo detetive tenente Elliot (Lakeith Stanfield) e o detetive Benoit Blanc (Daniel Craig), este contratado anonimamente. As suspeitas são de suicídio do personagem e uma reconstituição da noite anterior começa a ser feita. É neste momento que os personagens são apresentados.
Vale destacar que o longa-metragem conta com um elenco vasto e que entrega bem os personagens da trama.
Harlan tem três filhos: Linda, Walter e Neil, o último faleceu alguns anos antes do pai. Linda (Jaime Lee Curtis) é casada com Richard Drysdale (Don Jonhson) e os dois são pais de Hugh Ramson (Chris Evans). Walter Thrombey (Michael Shannon) casou-se com Donna Thrombey (Riki Lindhome) e são pais de Jacob Thrombey (Jaeden Lieberher). Enquanto, Neil casou-se com Joni Thrombey (Toni Collette) e tiveram uma filha chamada Megan – ou Meg (Katherine Langford). Joni e Meg permaneceram próximas da família. Cada um deles depende de alguma forma da fortuna do Harlan, seja Linda e Richard por conta do investimento para que construíssem a empresa imobiliária que cuidam juntos. Walter comanda a editora dos livros do pai, a Blood Like Wine. Harlan pagava a faculdade da filha de Joni. Ransom tinha a vida bancada pelo dinheiro do Harlan.
Nos últimos anos, Harlan contratou Marta Cabrera (Ana de Armas) para ser cuidadora dele, o que acabou os tornando amigos também, já que ele era solitário. Ela também é interrogada pelos detetives Elliot e Blanc e o que mais traz um ar interessante a personagem é que ao mentir, a garota literalmente vomita. Ou seja, ela é praticamente obrigada a contar a verdade o que a torna interessante para Elliot e Blanc. Então, ela acaba revelando de alguma forma os segredos, já percebidos por Blanc durante os interrogatórios, da família Thrombey. Exceto Ransom, que não compareceu. Richard estava traindo Linda, Joni recebia o dobro do dinheiro para a faculdade da filha e vivia às custas de Harlan e Walter vivia discutindo com o pai para tornar vender os direitos dos livros para produção de filmes e séries.
Conforme a noite da festa é reconstituída, nota-se que Harlan pretendia “cortar as asas”, nas palavras dele, de todos. Ele demitiria Walter, cortaria os pagamentos para Joni e Meg e contaria para Linda sobre a traição do esposo. Porém, ele não contaria a eles sobre a mudança em seu testamento de óbito, no qual deixaria tudo para Marta. Ransom estava lá naquela noite e na discussão com Harlan descobriu sobre o testamento, o que o enfureceu.
O mais interessante é que Marta será a primeira suspeita do crime, já que, antes de ir embora, ela acidentalmente trocou as medicações de Harlan e a dose de morfina dada a ele era fatal. Infelizmente, ela não encontra o antídoto e o velho a faz fugir dali, na intenção de salvar ela e a família – imigrantes ilegais – da prisão e de serem deportados.
No final, é descoberto o verdadeiro responsável pela tentativa de homicídio de Harlan e Marta não havia cometido crime algum. Ransom, em sua raiva e ganância, pega o antídoto da bolsa médica de Marta e troca o conteúdo dos frascos da medicação. Logo, quando Marta os troca novamente ela está dando as doses certas da medicação e Harlan não morreria, se não fosse o corte que ele mesmo faz na carótida para provar a tese de suicídio e livrar a jovem do julgamento.
O ápice da trama só se apresenta quando a família Thrombey descobre que Harlan deixou tudo para Marta e tentam coagir a garota a renunciar a herança. Em diversos flashbacks da família Thrombey, surgem muitos comentários xenofóbicos e preconceituosos com a garota. Joni e Meg são as únicas que buscam entender melhor a realidade de Cabrera, embora, acabaram coagindo-a também.
É possível sentir no ato de Harlan deixar a herança para Marta uma tentativa de reparação histórica e uma crítica a má distribuição de renda existente no mundo. Principalmente quando a maior parte dos xingamentos direcionados a ela pela família dele envolvem a nacionalidade da personagem. Dessa forma, a obra também satiriza a figura dos ricos com este comportamento bastante forçado e agressivo vindo deles de “não tirar o que sempre pertenceu a eles”.
Historicamente falando, eles tiraram o que pertencia a ela anos atrás durante a colonização por exemplo. Há um paralelo aqui, com o filme Parasita do diretor Bong Joon-Ho, vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2020, que é o comportamento parasitário que os personagens da família apresentam em relação ao Harlan Thrombey. Ainda mais quando se consideram livres e bem sucedidos por conta própria, o que não é real. A partir disso, há uma relação deste comportamento com o conceito de meritocracia por conta da crença de conseguir ser bem sucedido, mas não reparar que é por causa de diversos fatores conspirando para isso.
A cena final traz um dos momentos mais marcantes da história, Marta na varanda da casa segurando a xícara de Harlan com a seguinte frase: Minha casa, minhas regras, meu café; com toda a família Thrombey a encarando do lado de fora. Trazendo uma retomada do que antes foi tirado dos ancestrais dela metaforicamente e que deve ser redistribuído.