Infelizmente, é comum que os meios se percam em uma sociedade que só visa os fins. O cotidiano é visto como um grande protocolo velado de ações e expectativas que, no senso comum, simplesmente acontecem por ter de acontecer e nada mais. Crip Camp: A Revolução Pela Inclusão, de James Lebrecht e Nicole Newnham, é um lembrete categórico de que ao redor daquilo que hoje é visto como o mínimo, existiu luta, perseverança e até mesmo revolução.
A partir do acampamento de verão “Camp Jened”, o filme conta a jornada de diversas pessoas com deficiência que, a partir do mesmo ponto de encontro, se juntam em uma luta por acessibilidade. Usando-as como principal pilar narrativo e histórico, ele se desenvolve através de um movimento em busca de direitos civis que é pouco lembrado, mas foi muito importante para a construção de regras que viabilizassem o acesso e a existência de PCDs em um mundo que não foi construído para eles.
É certo que o filme tem uma mensagem extremamente potente e é especialmente bom ao trabalhar a relação dessas pessoas com o cotidiano ameaçador que as envolve. Tendo isso em vista, despretensiosamente constrói o acampamento não como mais um personagem e sim como uma força motriz para os eventos que pretende abordar futuramente.
Funcionando como um refúgio tanto para eles quanto para o espectador, cria-se um elo profundo e até mesmo poético entre os hóspedes e o local. Dando toda abertura para eventos rotineiros, ele sabe construir Jened tanto como refúgio quanto como um ideal. Nessa questão estrutural, Crip Camp lembra muito Minding The Gap (Bing Liu, 2018) e, assim como este utiliza o subtexto da violência doméstica sobre o manto das vidas comuns de três amigos skatistas, aquele trabalha a formação de proto-revolucionários sobre a ótica amigável e livre de um acampamento para deficientes.
Dizer que o filme humaniza as pessoas com deficiência soa como um insulto, afinal de contas, independente do que a sociedade impõe ou exclui, isso não altera sua humanidade. Talvez o que ele faça com primazia seja dar para elas um espaço que não circunda unicamente sua deficiência e as explore em outros particulares mais relevantes, em outras palavras, está mais interessando em suas capacidades do que em suas limitações.
Intercalando imagens de arquivo com entrevistas realizadas com os que ele elege como protagonistas é possível reparar um constante apelo clichê pela emoção. Nesse particular, escolhe muito bem passagens que podem ter esse viés dramático, focando mais em uma pontuação do que necessariamente no desenvolvimento do drama. Mesmo entregando a mensagem e passando o peso da injustiça, ele ainda soa disperso demais, sem saber trabalhar com algo que não seja exclusivamente parte da temática.
Como já foi pontuado, embora o tema seja bem destrinchado, falta encontrar um meio termo conciso entre explorar a correlação do Camp Jened com as movimentações que ocorreram anos depois fora a obviedade das mesmas pessoas estarem presentes. Além desses dois, ainda desenha as jornadas de Judith, do próprio diretor James e um tanto da de Denise junto de um grande bocado de outros enxertos pontuais. Ao querer abraçar tantas histórias, acaba dissolvendo o seu impacto. Dramas inspiradores que ficam a ver navios.
Crip Camp: A Revolução Pela Inclusão é um dos nomeados para Melhor Documentário da 93ª edição do Oscar. De fato, o filme galga sua posição ao dar voz para uma parcela esquecida dentro da própria sociedade norte-americana. Mesmo assim, dentro de tamanho impacto e relevância da proposta, ainda que trace uma correlação sociologicamente sagaz, se limita a levar o espectador de um ponto a outro através de uma visão muito ampla que se debruça superficialmente sobre figuras extremamente profundas.