Essa temporada de premiações tende a ser uma das mais incomuns que já aconteceram. Com a pandemia modificando todo o cenário audiovisual, o leque de filmes elegíveis se tornou maior quanto ao calendário de lançamentos, abrangendo alguns que ocorreram tanto muito antes quanto muito depois do usual, ao mesmo tempo que diminuiu em decorrência de todas obras que, pela árdua distribuição nesse cenário, não foram capazes de ver a luz do dia.
Baseando-se nessa desarmonia, a seleção do Oscar trouxe para os holofotes algumas escolhas duvidosas que, em outras circunstâncias, dificilmente ganhariam tal prestígio. Emma, de Autumn De Wilde, é um produto preciso dessa equação. Um grande compilado de clichês mal utilizados que, com alguma rasa substância para oferecer, despontou como favorito para o tecnicismo da categoria de Melhor Figurino.
Como o título sugere, o filme narra as aventuras de Emma Woodhouse (Anya Taylor-Joy), uma jovem aristocrata britânica, ao desbravar seu sensível dom casamenteiro. Enquanto a jovem gosta de organizar o compromisso para todos aqueles disponíveis a sua volta, ela lida com seu próprio ego ao ter seu coração despertado para o amor pela primeira vez.
As linhas românticas formadas entre as personagens constantemente se cruzam e isso é o que tem de melhor para oferecer. Ele é bem divertido ao traçar essas relações e delimitar o que cada um sente e como os outros interpretam esse sentimento. Esse aspecto, aliado ao universo de achismos e crendices matrimoniais do séc. XIX, contribui para a construção dessa veia cômica de encontros e desencontros.
Todavia, ele não acontece muito fora dessa delimitação de roteiro e se preocupa bem pouco em usar a cinematografia para contribuir com a narrativa. Fora o claro apreço por recriar cenários, vestimentas e a ambientação do período, ele se permite ser raso até demais e não potencializa os seus próprios dramas. Vide a cena em que Harriet (Mia Goth) é deixada de lado por Elton (Josh O’Connor) e é convidada por Knightley (Johnny Flynn) para uma dança, não parece haver um interesse da direção de dramatizar o ato a não ser para usá-lo no contragolpe do roteiro mais para frente.
Com a câmera sempre em plano médio, ele mal se preocupa em explorar esses seres fora da fala. A pouca articulação que tem age para criar uma falsa sofisticação, construindo planos que abusam da simetria e centralizam o ambiente, é como se tentasse roubar a opressão que os cenários de A Favorita (Yorgos Lanthimos, 2018) exercem sobre as personagens sem se preocupar minimamente em fazer isso encaixar na estética e, propriamente, na obra em si.
Talvez o filme tente ser muito amplo e se perca no desenvolvimento de uma crítica ao estilo supérfluo de vida da protagonista que, por mais que seja o catalisador da história, não tem nem uma posição nem uma jornada muito bem definida aqui. Sendo ora rica, disciplinada e megera, ora uma boa e complacente amiga, essas flutuações não deixam com que o longa trace um caminho natural para ela, ficando sempre debruçada em fazer o texto acontecer sem se aproveitar da mise en scene que desenvolve.
Comparando, Adoráveis Mulheres (Greta Gerwig, 2019) sabe elaborar o mesmo tipo de cama de gato sem se pendurar nos diálogos, dando profundidade para cada uma das numerosas personagens e sabendo aproveitar os recursos, especialmente os que o pontuam dentro do gênero, para criar uma narrativa otimista. De certo que as abordagens são bem diferentes e talvez até mesmo o intuito de ambos filmes fique em dissonância, mas dentro da articulação cinematográfica, o trabalho de Gerwig é, em muitos âmbitos, superior.
Esse é mais um longa pouco ambicioso que se espreme para galgar alguma colocação específica dentro da temporada de premiações. Assim como Sam Mendes abusa da técnica fotográfica para construir 1917 (2019), não é difícil ver Emma como um paralelo disso. Em suma, um filme que só existe por ser de época.