O filme é dirigido pela atriz Regina King, sendo essa sua estreia na direção de um longa-metragem. “Uma Noite em Miami” é baseado em uma peça escrita por Kemp Powers e é ele quem assina o roteiro. O filme é difícil de ser resumido em uma sinopse compacta porque trata múltiplas narrativas ao mesmo tempo, além do fato de ser baseado na realidade. Aqui são contadas as histórias de quatro figuras americanas históricas: o pugilista Cassius Clay (o Muhammad Ali), o cantor Sam Cooke, a lenda do futebol americano Jim Brown e o ativista político Malcolm X.
O filme tem um posicionamento muito claro e aborda o tema do racismo, trazendo o espectador para a realidade dos anos 1960 nos Estados Unidos. Discute a causa racial, mas também aborda de forma sutil temas como o islamismo, a indústria do entretenimento e a própria política governamental norte-americana.
A linguagem do filme se assemelha muito a uma peça em muitos aspectos. Isso acontece porque o filme se passa majoritariamente durante uma mesma noite e em um mesmo local, razão pela qual se dá o nome a obra. Acompanha a discussão das quatro figuras emblemáticas sobre a conversão de Cassius Clay ao islamismo, os impactos dessa decisão e a reflexão sobre a representatividade negra na sociedade como um todo.
O filme tem uma camada dramática grande que poderia se sustentar, mas devido a sua abordagem demasiadamente teatral acaba por ser um pouco monótono em alguns momentos, logo, se torna cansativo.
A história do filme é boa e possui tentativas muito bem feitas de romper com sua abordagem fatigante – a diretora é consciente disso, algo que é positivo -, mas não é o suficiente para levantar o filme quando cai em suas próprias falhas.
Por muitos momentos o roteiro tenta mostrar o impacto da própria realidade ao decorrer do longa, mas não consegue atingir o espectador se esse não conhece a história política americana – ou você espera que qualquer pessoa saiba que J. Edgar Hoover, o diretor mais carrasco do FBI, perseguiu inúmeras figuras que militavam contra o status quo? – e acaba não tendo nenhum efeito narrativo para a história.
O longa merece o seu prestígio por conta do empenho na interpretação dos atores – eles carregam o filme em muitos momentos. Eli Goree (Cassius Clay) é carismático desde a sua primeira aparição no filme, representando com excelente fidelidade a figura enigmática de Muhammad Ali como um showman. Aldis Hodge (Jim Brown) tem uma atuação concentrada, representando muito bem os estereótipos da vida boêmia de astros dos anos 1960, mas também entrega o tom dramático quando precisa – sua primeira cena demonstra isso muito bem.
Quanto aos outros dois, precisamos de mais atenção. A atuação de Leslie Odom Jr. (Sam Cooke) é poderosa e merece a indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante que recebeu. Ele entrega diversas emoções ao decorrer do filme: raiva, amor, orgulho, tristeza e arrependimento. Além disso, Leslie ainda canta de forma poderosa, o que não é exagero em dizer que é ele, por sua performance, quem também garante a indicação de melhor música original ao Oscar 2021.
O problema do filme está na atuação de Kingsley Ben-Adir (Malcolm X). Ela é muito bem executada quando analisada de forma técnica, mas pode dividir opiniões porque trata de uma figura muito maior do que ele mesmo tem a capacidade de controlar. Malcolm X divide opiniões desde que era vivo, mas se existe um consenso acerca de sua presença é a de que ele definitivamente não podia ser chamado de afável – e é exatamente isso que Ben-Adir entrega… um Malcolm X demasiadamente delicado. A culpa disso não é do ator, mas da diretora e do conceito idealizado que ela está preocupada em passar na tela.
“Uma Noite em Miami” é uma boa tentativa de contar a história de quatro figuras enigmáticas na história americana recente, no entanto, peca por não possuir uma conclusão tão exata. A obra carece de uma intenção exata por trás da discussão do tema que investiga aqui.
A obra tem sua excelência alcançada por conta do elenco, sendo esse o maior mérito da diretora Regina King – muito disso é explicado porque ela própria também é atriz e por isso entende profundamente o processo do ator, o que lhe garante um futuro extremamente promissor para os próximos anos se aprimorar sua habilidade narrativa.
Cabe ao espectador avaliar a obra de acordo com sua própria preferência de estilo, por isso o filme divide opiniões, mas é certo que vemos o surgimento de uma nova diretora numa Hollywood contemporânea e por isso temos 3 nomeações de “Uma Noite em Miami” ao Oscar 2021: “Melhor ator coadjuvante”, “Melhor roteiro adaptado” e “Melhor canção original”.